OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


31.5.05  

Cínico? (II)

Carta do leitor António Brotas, também no Público de hoje:

«(...)A percentagem de votos "sim" dos apoiantes dos dois partidos da direita, UDF e UMP, era de, respectivamente, 80 por cento e 75 por cento. O actual projecto de tratado sobre a Constituição europeia (que não se percebe bem se é um projecto de tratado, ou um projecto de constituição) foi, de facto, redigido "por assim dizer" em francês, mas sob uma larga influência da direita francesa, que aproveitou para nele procurar incluir, de um modo praticamente irreversível, disposições favoráveis a um puro sistema de concorrência dos mercados. Contra este projecto votaram em França, segundo a mesma sondagem, 89 por cento dos apoiantes do PC e 90 por cento dos simpatizantes da extrema-direita. Mas votaram ainda contra 59 por cento dos apoiantes do Partido Socialista, apesar de num votação interna dos militantes do partido ter havido um resultado em favor ao "sim". É dos militantes e simpatizantes do PS francês que votam "não" que me sinto mais perto e julgo sentir o que eles sentem. Por que é que votaram eles "não"? É porque são contra a Europa? Porque querem provocar uma crise? Porque têm medo do futuro? Porque querem defender privilégios seus e da França como o Eduardo Lourenço e outros articulistas em Portugal parece pretenderem? Penso que não. Votaram "não" porque entendem que o futuro das sociedades, em particular da europeia, não pode ser confiado ao puro funcionamento das regras de mercado, que faz com que as pessoas acabem por ser tratadas como mercadorias. Sobretudo, não aceitam que disposições que assim o determinam fiquem inscritas de um modo praticamente irreversível numa futura Constituição da Europa, que só poderá ser alterada pelo voto unânime dos 25 países que a compõem.Não há nenhuma razão para haver uma crise na Europa. As regras de funcionamento dos órgãos europeus negociadas pela Comissão presidida por Giscard d"Estaing e a Carta dos Direitos Fundamentais com força obrigatória geral anexa têm, certamente, um largo apoio das populações europeias, incluindo a francesa. O que se passa é que esta Comissão excedeu o seu mandato e, para além daquilo que era necessário negociar e incluir na proposta, pretendeu nela incluir disposições adicionais que não têm qualquer cabimento no texto de uma Constituição.Se o projecto actual for rejeitado por alguns países, e foi-o hoje pela França, o Parlamento europeu terá, a meu ver, simplesmente, de se debruçar sobre o assunto e nomear uma comissão que prepare uma nova proposta que, tendo em conta a opinião das populações e dos países, inclua o que é necessário e pode ter consenso, e exclua o que está a mais e é motivo de discórdia. De qualquer modo, ontem foi um dia muito importante para o futuro da Europa.»

mva | 10:45|