OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


30.4.05  

O macho penetrado.

Miguel Sousa Tavares publicou ontem uma crónica de opinião que revela o triste estado da... opinião: pela falta de informação factual, pela preguiça em buscá-la, pela confusão entre preconceito e sentido de justiça, pela incapacidade de desmontar as próprias crenças à luz dos argumentos de outros.

No caso do julgamento dos Açores, haveria que ir ler os artigos 174 e 175 do Código Penal; haveria que ir ler as propostas do anterior governo (!) de modificação desses artigos; haveria que ir ler os textos produzidos pelas associações LGBT; haveria que consultar as recomendações do Parlamento Europeu, do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e o Conselho da Europa no sentido da abolição da diferença na idade do consentimento.

Porque é disso que se trata, para lá de qualquer juízo sobre o abuso sexual (alguém põe isso em causa?!). O que o 175 sugere é que não há verdadeiro consentimento por parte d@ adolescente numa relação homossexual. Ou seja: o teor homofóbico da lei estava (está...) em achar "impossível" que um ou uma adolescente deseje e consinta conscientemente numa coisa tão "bárbara" como a homossexualidade.

And now for something (NOT!) completely different:

É neste caldo de cultura que argumentos como o de MST navegam - ou se afundam. Mais: se se fizer uma leitura a contrapelo daquele tipo de textos percebe-se que fantasmas os habitam. São fantasmas típicos da homofobia. Mas não só: são fantasmas de machismo e de falocentrismo, pois a "vítima" imaginária é o macho penetrado. No fundo, a mesma figura que habita os verdadeiros nojos, mais ou menos camuflados, que sentem as pessoas que torcem o nariz a todos os avanços nos direitos dos gays.

Nada, absolutamente nada, na defesa da abolição do 175 tem a ver com qualquer tolerância face ao abuso sexual. A mensagem parece ser difícil de passar porque a homofobia vive da atribuição de uma ilicitude fundamental à homossexualidade. Para um homófobo, a homossexualidade é sempre abusiva e a sua figura máxima - a do varão analmente penetrado - é sempre uma desonra, uma emasculação, uma violência e uma violação.

mva | 11:25|