OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


13.4.05  

Estou aqui, logo sou daqui.

Nos anos 80 o nosso país passou, para todos os efeitos, do direito de solo para o direito de sangue na questão da nacionalidade. Foi um retrocesso gigantesco que nunca foi - espantosamente - motivo de escândalo público. O direito de sangue é o fundamento das formas mais reaccionárias de entender a nacionalidade e a cidadania, baseado que está numa "lógica" do parentesco e da consanguinidade que é em si mesma essencialista e contrária à ideia de uma cidadania para os nossos tempos. A proposta de lei do Bloco para alteração deste estado de coisas é, por isso, louvável. Os seus objectivos são:

«Reconhecimento automático da nacionalidade portuguesa a todos os
indivíduos nascidos em Portugal, mesmo que filhos de estrangeiros; Equiparação da união de facto ao casamento para efeitos de aquisição de
nacionalidade por efeito de vontade; Definição dos requisitos para aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização apenas em função de critérios de número de anos de residência e de conhecimento da língua portuguesa (alteração ao artigo 6º), que são critérios factuais e não discricionários. Anulação de mecanismos de discriminação em função do país de origem.»


Há nestes objectivos duas dúvidas que me assaltam, todavia: a primeira é a das uniões de facto - onde salta à vista que isto diz apenas respeito a casais heterossexuais (!). A segunda é a da língua, pois sou absolutamente contra o critério linguístico como critério de nacionalidade. A razão do meu contra é que sou mais radical nestas questões: só me interessa como critério de pertença à cidadania (e enquanto nos organizarmos por estados-nação...) que as pessoas residam no "sítio", trabalhem no "sítio" e paguem impostos no "sítio". O "facto nacional" deve ser deixado para as escolha culturais das pessoas.

Tudo isto vai dar à questão da imigração. Se assumíssemos de vez que o mundo é global e que há imensa gente a querer mudar de país (e desistam os que têm medo de "invasões", pois as "leis do mercado" também funcionam nestas coisas...), nem sequer as questões tontas (porque equacionadas a partir da lógica estritamente nacional) da "sobrevivência da segurança social" se colocavam; e assumiríamos de uma vez por todas aquilo que ainda é só uma retórica: a diversidade cultural, a miscigenação e a mestiçagem.

mva | 14:34|