OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


15.3.05  

Tempos e espaços.



Finalmente uma boa "desculpa" para ler o Hommage to Catalonia de George Orwell. Aliás, por aqui tem havido um boom de atenção historiográfica e literária à Guerra Civil. É curioso ler a descrição de uma Barcelona-soviete, cheia de bandeiras vermelhas e essa suspensão (hoje sabemos que é apenas suspensão...) da "normalidade" em nome da construção de algo de radicalmente diferente. Mesmo assim, logo nas primeiras páginas ficamos a saber que rapidamente as mulheres que participavam na luta militar foram remetidas para os bastidores. Orwell fala de como "ao princípio" toda a gente achava natural ver as mulheres pegarem em armas; e pouco depois, os homens já faziam pouco delas na instrução militar. Do mesmo modo, uma das personagens, um rapaz de 15 anos, no esplendor do seu entusiasmo revolucionário, grita "Fascistas: maricones!".

Hoje o dirigente do PP local disse que se acabou a Barcelona moderna, que queria mudar o mundo. Referia-se com certeza à Barcelona que tantos admiramos (bem como, é claro, a um certo propagandismo criado aquando dos Jogos Olímpicos, etc). A que se referia? Bem, ao mais recente turmoil local: há umas largas semanas atrás desabaram uns prédios por causa das obras d eum túnel do metro. Muitas pessoas ficaram sem casa. Imediatamente começou a discussão sobre as responsabilidades. Acossado pela direita, Maragall teve a tirada infeliz a que me referi já noutro post, acusando a antiga administração da direita de cobrar 3%, para financiamento partidário, às empresas de construção encarregadas de projectos da Generalitat. Como não conseguia provar o que dizia, meteu-se num lamaçal. Mas agora há uma comissão parlamentar de inquérito. E já há depoimentos de construtores confirmando a suspeita e até falando em percentagens na ordem dos 20. Só que a sensação obtida lendo os vários jornais é de um certo desencanto público com a política local, mais os receios de o novo Estatut (dando maior autonomia e, sobretudo, garantindo um novo modelo de financiamento) poder ser prejudicado. Mas para um forasteiro como eu as coisas não parecem terríveis. Os habitantes do bairro prejudicado pelo desabamento queixam-se com razão, querendo indemnizações maiores do que as oferecidas pelo governo; mas também é certo que eles são sempre recebidos pelo governo, que as negociações existem, e que uma força de assistentes sociais, etc, foi posta à disposição dos prejudicados, bem como apartamentos novos.

Em parte alguma do mundo haverá um governo perfeito e uma cidadania satisfeita por inteiro. Seria um contrasenso, face à própria noção do que é uma sociedade - um feixe de conflitos e interesses, com equilíbrios precários, e em constante mudança. Mas quando leio hoje que Santana Lopes regressa à CML, aí percebo como tudo é relativo. Na comparação é que se aprende.

mva | 20:48|