OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


14.3.05  

Princípios.



Dizia hoje um articulista, a propósito do primeiro aniversário da vitória de Zapatero: «Em todo o mundo se aplica a mesma lei pendular. A direita leva os países à beira do abismo e uma coisa semelhante ao que se convencionou chamar esquerda aparece para consertar as coisas, para fazer limpeza, acalmar os ânimos e pensar um pouco no futuro a longo prazo. A política dos princípios faz hoje um ano. Que estes princípios não se dissolvam como açúcar no café depende da vigilância activa das pessoas.»

Curioso. Já nos estávamos a deixar convencer pelo discurso de direita que sistematicamente apresenta esta como moderada, de bom-senso, naturalmente mais capaz de gerir a "economia" (palavra que usam para substituir "sociedade"); e que apresenta a esquerda como incapaz e tumultuosa. Nos tempos bushistas tudo isto foi ainda acrescentado pela ideia de "valores" (aquela coisa que se aplica a tudo menos à propensão "natural" para fazer lucro e ganhar na corrida dos ratos). Seguindo o articulista, "princípios" poderá ser um bom substituto, de esquerda, para "valores; e há que promover a ideia de que à esquerda compete "limpar", "normalizar", "acalmar" e, claro, transformar com uma ideia de futuro (que não tem - e a meu ver nem deve - ser uma "utopia"). Um novo discurso terá que promover a esquerda como a força que salva os países do caos em que a direita os lança - bem o contrário do discurso actualmente hegemónico em Portugal. A direita percebeu que a mudança estava a acontecer e rapidamente tratou de catalogar Santana de "fenómeno" especial. Mas há que dizer: Santana é a direita - apenas com mais lata. O PSD pô-lo "lá", não surgiu do espírito santo (não me refiro ao banco).

Conseguirá (quererá) Sócrates fazer isto? Daqui a um ano poder-se-á escrever uma artigo como este que citei? Talvez compita, mais que tudo, à «vigilância activa das pessoas».

PS: A foto é da administração do distrito (espécie de município dentro do município e mais do que mera junta de freguesia) de Nou Barris, onde tenho aulas de catalão: ou como se pode qualificar o espaço público naquilo que de outro modo seria um dormitório nas margens da cidade.

mva | 15:01|