OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


13.2.05  

Snapshot I.

Uma funcionária dum serviço que frequento pede-me ajuda a resolver o problema duma pessoa amiga, com inclinações suicidárias por ser lésbica e não imaginar sequer que isso possa ser normal ou que existam outras pessoas como ela. Alguém do meio académico contacta-me para desabafar sobre o autêntico calvário que passou ao consultar pscicólogos homofóbicos que não percebiam que o seu problema era como lidar com a homofobia (suponho que também a internalizada). Um empregado de um estabelecimento comercial vai desabafando, por metáforas e alusões, a sua situação quase depressiva por se ter confrontado com a sua ambiguidade sexual já tarde na vida. Poderia dar-vos mais exemplos. Em rigor, não se passa uma semana sem que me apareça um caso com contornos semelhantes. Alguém mais incauto e optimista poderia dizer que as coisas já não são assim nas gerações jovens urbanas. Mas situações de convívio com muitas destas pessoas, asumidamente gay e lésbicas no círculo estreito da sociabilidade protegida duma casa ou bar, revelam a perpetuação do armário através da interiorização do discurso aparentemente civilizado da "vida privada" e da "irrelevância identitária" da homossexualidade. O resultado é o curtocircuitar das possibilidades de mudança social gerada pelos grupos sociais que justamente poderiam conduzir a transformação - porque feitos de gente mais jovem e mais autónoma. Assim funciona a hegemonia do armário, versão lusitana. Só assim se explica o desprezo absoluto, da parte da media e dos políticos, por uma população entre o meio milhão e o milhão de pessoas. É que quando as pessoas não têm sequer consciência de que pertencem a uma "população", a dita não existe.

mva | 12:21|