Santana Lopes, num "discurso"no American Club (entre aspas, porque as suas intervenções são cada vez mais monólogos roçando o patológico - e daí também o seu perigo...) refere-se ao Bloco de Esquerda como sendo "trotsquista", misturando nessa designação a UDP e metendo no cesto a inexistente LCI (!). Trapalhadas? Este tipo de definição-à-pressa do Bloco não é, obviamente, inocente. É esta, aliás, a ideia que vai passando nalguma comunicação. Embora a minha posição seja "suspeita", talvez não fosse mau fazer a "sociografia" abreviada do Bloco, para benefício das pessoas mais inteligentes e preocupadas.
O Bloco nasceu, é claro, da união entre três forças políticas: a UDP, o PSR e a Política XXI. Qualquer uma delas, à época, ou tinha feito ou era o resultado de processos de crítica em relação ao chamado "comunismo" ou "socialismo". Membro da IV Internacional, o PSR herdava a tradição trotsquista que era, ela mesma, uma cisão contra o estalinismo; a UDP já havia abandonado referências no campo comunista internacional, posicionando-se em ruptura com todas as experiências de "socialismo real"; e a Política XXI tinha sido formada por ex-militantes do PCP, pelos herdeiros do MDP-CDE e por independentes. Na formação do Bloco juntaram-se logo pessoas sem filiação anterior, destacando-se, no grupo inicial, Fernando Rosas (a sua antiga filiação no MRPP havia acabado há muito).
O Bloco foi, naturalmente, crescendo. O acordo entre os três partidos foi cedendo lugar a uma forma de organização interna democrática, cada vez mais baseada na representação dos aderentes e menos no acordo de equilíbrio partidário. Isto foi tanto mais acontecendo quanto o número de novos aderentes foi crescendo; hoje haverá tantas pessoas pagando quotas que não têm origem em nenhum dos 3 partidos, quanto as que têm neles origem.
O Bloco foi, ainda, incluíndo outros grupos e tendências: desde pequenos grupos políticos, como a Ruptura-FER, até grupos que, não sendo organizações políticas, são grupos de interessse constituídos já dentro do Bloco: mulheres, lgbt, sindicalistas, ecologistas, professores, etc. As agendas destes grupos nem sempre são de absoluta coincidência com a política geral do Bloco. E estão a milhas de distância de qualquer vinculação a um dos partidos originalmente constituintes do movimento.
Entretanto, os partidos entraram num processo de auto-extinção: não só por causa da nova lei dos partidos, mas também por causa da dinâmica do Bloco (se os partidos fossem sempre aquilo que foram no início, teríamos o prazer de poder dizer que o PSD de Santana Lopes é ainda o PPD de Sá Carneiro...). A Política XXI já se extinguiu, tendo-se formado uma Associação de reflexão política e a corrente produz ideias numa das revistas da área do BE, a Manifesto. Este ano, o PSR também se extinguiu, tendo-se criado uma Associação e também esta corrente se exprime numa revista, a Combate; quanto à UDP, está ainda em processo de transformação, mas já edita a sua revista aberta ao Bloco, A Comuna.
Quem for a uma Convenção do Bloco pode verificar a diversidade de grupos, forças, sensibilidades, interesses e formas culturais de expressão ou de referência histórica ou simbólica que ali convergem, quase sempre com importantes desentendimentos, e sempre procurando plataformas máximas de entendimento. É bem provável que, se vier a crescer mais, o Bloco venha a ter correntes verdadeiramente organizadas (o sistema democrático de eleição permite-o, através da apresentação de listas para os órgãos dirigentes), muitas delas absolutamente desinteressadas em querer sequer saber o que quer dizer "trotsquismo" ou "comunismo".