OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


11.2.05  

Dores de crescimento.

Talvez por ser da Mesa Nacional do Bloco e por ter tido algum destaque nos primórdios do mesmo, o meu círculo de mundo - de amizades, profissão, família e pessoas do dia-a-dia - interpela-me muito sobre o movimento. Habituei-me a prestar atenção a "estados de alma", críticas, elogios ou análises da performance do BE. Não estou muito envolvido nesta campanha por razões que nada têm a ver com qualquer intriga política (simpático aviso a quem pense em truncar este post...), pelo que as observações daquelas pessoas precisam ainda de alguma reflexão da minha parte.

Em que consistem? Um dos temas recorrentes é o do "envelhecimento do Bloco". Que querem dizer com isto? Suponho que, desde logo, o seguinte: suposta perda de irreverência, de inovação na linguagem e propaganda. Mas creio que esta crítica revela outra preocupação, contida na frase "está cada vez mais igual aos outros". Onde dizem notar-se isso? Por exemplo, na suposta aceitação da lógica de uma campanha feita em torno de um líder, de um "candidato a primeiro-ministro"; ou na entrada do Bloco nas tricas da "governabilidade" (Viabiliza ou não um governo PS? Entra ou não no governo? Quer continuar a ficar de fora?...).

Num plano que não é totalmente separado dos anteriores, muita gente me diz não gostar dos cartazes, sobretudo na sua opção pelo vermelho e amarelo, cores simbólicas de uma esquerda "radical" à antiga; ou das frases e palavras de ordem, desta feita sem humor; ou da suposta predominância de temáticas laborais ou "trabalhistas" na campanha que se dá a ver aos/nos telejornais. Em suma, pareceria haver mais tentativa de penetração no "universo" associado ao PCP do que no universo associado ao PS; pareceria haver uma radicalização à esquerda.

Por fim, a figura de Francisco Louçã - a sua retórica, linguagem, estilo, etc... - é vista como um daqueles casos em que as qualidades, quando mostradas em excesso, se podem transformar em defeitos. Isto é, a inteligência e a frontalidade seriam facilmente transformáveis num moralismo cansativo. Este cansaço é parte integrante da política mediatizada - toda a gente se cansa de todos os políticos, pela simples razão que aparecem muito, mas não divertem tanto como cantores ou actores.

Eu percebo. Onde está o apelo à classe média, aos intelectuais, à(s) juventude(s)? Onde está uma estética moderna que não precise da "segurança" das referências revolucionárias? Onde está o pluralismo de figuras do Bloco? Onde estão as famosas "causas fracturantes" (que, curiosamente, também foram alvo de crítica por parte das mesmas pessoas no passado?) Onde está o esperado ou desejado crescimento no sentido da responsabilização ao nível de alianças e governabilidade? Convém notar que estas questões são paus de dois bicos. Por exemplo, um bloco que se oferecesse claramente para um governo PS seria um bloco criticado, pelos mesmos, por abandonar o seu carácter alternativo, do "correr por fora" e fazer oposição... Um bloco que se apresentasse com muitas caras, seria criticado por se recusar a participar na lógica pessoalizada e supostamente esclarecedora dos "candidatos a primeiro-ministro", e por aí fora.

Gosto de pensar que todas estas coisas dependem das circunstâncias. No caso presente, de uma crise terrível de legitimidade das instituições políticas; de uma claríssima e urgente necessidade de derrotar a direita trapalhona de Santana Lopes e os aliados da direita espertalhaça de Paulo Portas; e de um terrível descalabro nas condições de emprego e trabalho (sendo que esse desclabro não se resume às indústrias tradicionais, mas a toda a gente que não pertença ao mundo da finança e das prebendas); de um PS que, em vez de avançar no mesmo sentido que o PSOE espanhol, retrocedeu ao guterrismo; ou de um PCP que se reforçou no seu "campo" com a figura de Jerónimo de Sousa.

O Bloco está a crescer. Nas fases de crescimento é comum crescerem mais algumas partes do corpo do que outras. E está a crescer em simbiose com a democracia portuguesa e os percursos dos seus parceiros à esquerda, o PS e o PCP, com os seus próprios percursos de envelhecimento, rejuvenescimento ou estagnação. Voto no Bloco não só porque conheço a sua dinâmica multifacetada, como conheço as suas provas dadas, como acho que tem o programa que melhor articula as preocupações da esquerda "trabalhista" com as preocupações dos direitos de "terceira geração". Mas faço-o, como não podia deixar de ser, levando em conta - com todas as suas virtudes, defeitos e contradições - as críticas e comentários daquele círculo de mundo onde vivo.

mva | 11:42|