OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


30.1.05  

No país da macacada.

«Gostaria de perguntar ao dr. Pedro Santana Lopes como concilia o que acaba de dizer com o site do Instituto Português da Juventude, que funciona na Presidência do Conselho de Ministros, e que tem páginas sobre sexualidade juvenil, apelando a igualdade de tratamento entre homossexuais e heterossexuais», adiantou [Manuel Monteiro].

É simples, Nelito: basta ler o Artº 13º da Constituição da República onde o menino vive. Mas com o Nelito podemos nós bem. O pior é que a provocação lançada por Santana Lopes revela que o ainda primeiro-ministro também não leu a Constituição: achar que as pessoas do mesmo sexo devem estar impedidas de se casar se quiserem - ao mesmo tempo que diz umas coisas vagas sobre o respeito pela diversidade - não é substancialmente diferente de dizer que não deve haver casamentos entre pessoas de "raças" diferentes", pois os filhos mulatos poderiam acabar com a "diversidade" das "raças (não, não é delírio, já foi Lei em vários países e estados dos EUA).

Pensam que a história acaba aqui? Nããão. Reagindo à provocação, Sócrates disse que Santana deveria «concentrar-se nos problemas dos portugueses». Isto é, para o líder do PS, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a adopção por esses casais são assuntos desprezíveis; os gays e lésbicas não são (bons) portugueses; e é bom votar no PS porque não aceita essas modernices. Aliás, Sócrates, que garantiu não propor nem casamento nem adopção, poderia ter ficado calado: o programa do seu partido é totalmente omisso em relação ao assunto, contrariamente ao que, aliás, teria desejado a Juventude Socialista.

As associações LGBT reagiram. A ILGA-Portugal muito bem. Já a Opus Gay coincidiu curiosamente com o discurso de Sócrates. Ficámos a saber no jornal das 11 da SIC Notícias que aquela organização também acha que Santana deveria preocupar-se com os problemas "reais". Não está sozinha na posição. Várias pessoas em diferentes organizações do movimento, e por razões diferentes, também acham que o casamento e a adopção são reivindicações de segunda linha; ou acham que são perigosas para a aceitação do movimento; ou acham que a agenda do casamento é conservadora. Wrong.

Talvez este episódio - que não se pode deixar ficar como tal, pois o movimento deveria atacar, e em força, a reaccionarice agora assumida pelo Centrão - sirva não só para tornar ridículo o aproveitamento histérico que tem sido feito da "frase de Louçã", como para tornar evidente a importância política, simbólica e estratégica da reivindicação do casamento e da adopção.

mva | 02:48|