OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


22.1.05  

Barcelona.

Reféns.

Que dizer da frase do meu colega de partido Francisco Louçã? Pois bem, que foi infeliz, politicamente errada e que me magoou. Qualquer outra reacção minha seria hipócrita e partidiota.

Mas o episódio - constituído pela frase de FL, mas também pela presença/postura de PP e pelo complexo armário+ hipocrisia+homofobia+boato em que vivemos - não acaba com a frase. Começa com o que ele permite em termos de especulação e pelo que ele revela sobre a nossa situação.

O episódio permite que se especule sobre a diferença entre o que o Bloco "diz" e o que o Bloco "diz mesmo". Este tipo de discussão está à partida inquinado pela vontade de derrotar as propostas do Bloco, neste caso as referentes ao aborto e aos direitos LGBT. Em última instância, não me interessa nada que os políticos e os partidos sintam mesmo as coisas que defendem. A relação com a política não deve ser emotiva, mas racional. O que me interessa é que os partidos e os políticos defendam, nos seus programas, as políticas que acho justas.

O episódio revela ainda como estamos todos reféns duma sociedade armariada e de políticos armariados. O armário vence (quase) sempre, pois é ele que define as condições e termos do debate. O armário perpetua-se como armário e, qual buraco negro, anula a hipótese de discurso crítico, porque não permite que se coloquem com franqueza as questões ou sequer os termos da discussão. O armário suga as pessoas para o seu interior escuro e húmido, onde a linguagem é imediatamente traduzida para "armariês".

Pena é que, no caso deste debate (e face ao horror que deve ser discutir com uma fonte ininterrupta de hipocrisia), FL não tenha resistido à hegemonia linguística e discursiva do armário.

mva | 13:25|