OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


15.1.05  

Barcelona.

Notícias lá da terra.

Já vinha a caminho de Barcelona quando li o artigo do DN, de que o Boss fala (e bem). O facto de referir que as associaçoes lgbt nao ligam muito ao casamento é, sobretudo, sinal de um problema jornalístico: é que no artigo percebe-se que o jornalista nao contactou com nenhuma das associaçoes. Se o tivesse feito - pelo menos com a Associaçao Ilga Portugal - teria descoberto a centralidade do tema.

Esta questao da centralidade é sintomática. Muitos e muitas lgbt, mesmo no movimento, nao acham que a questao seja importante. Pessoalmente, acho-a central. Porque joga simbolicamente (no sentido antropológico, isto é, tudo menos com o sentido de "decorativo") com as "regras" da família e do parentesco. Porque é uma reivindicaçao da possibilidade de acesso a uma forma de contrato, vida, etc., altamente valorizada e "normalizadora".

É justamente por isto que a recusa deste direito, mesmo (ou sobretudo?) por parte de quem diz nao ser homófobo (e nao estou a falar do discurso da ICAR, mas do senso comum alargado, da esquerda à direita, dos lgbt aos nao-lgbt...), acaba por revelar a profuda convicçao de que gays e lésbicas sao e devem permanecer pessoas de segunda categoria: "voces nao têm o direito a poderem entrar no nosso restrito clube, porque vocês nao merecem; queremo-vos onde possamos dizer de vocês que sao incapazes de relacoes estáveis, que sao marginais, que sao promíscuos, etc, etc".

Este discurso é ainda complementado por um outro, de carácter "preemptivo": "isso em Portugal nao dá, a sociedade nao está preparada, e reivindicar o casamento é contraproducente para o movimento". Acho este efeito de hegemonia maravilhoso: tao interiorizada está a ideia de vivermos numa sociedade conservadora que somos nós próprios a cria as condiçoes para esse conservadorismo....

PS: Desculpem a ausência de tiles, mas estou em viatge... Já agora, BCN está boa, obrigado.
PPS: Quanto ao Bloco (, Boss,) o casamento está no programa eleitoral e de governo. Isto, a meu ver, só se deve ler duma maneira: se o Bloco tivesse maioria absoluta (!) legislar-se-ia para alterar o código civil e permitir o caamento entre pessoas do mesmo sexo.

mva | 17:22|