1.12.04
Malditos e Integrados.
Mário Cesariny tem mais de 80 anos e é um artista livre e provocador. Mas não é isso que me impede de discordar frontalmente dele nas questões de política sexual (uma categoria que ele nem reconheceria como válida). Cesariny pode ser incluído numa tribo já antiga de homossexuais assumidos que eu definiria como "os malditos". Passo a explicar. Trata-se de pessoas que têm o mérito de assumir plenamente a sua orientação sexual; mas fazem-no assumindo o lado "maldito" (isto é, "decadente", "anti-puritano", anti-burguês" etc.) da homossexualidade. Só que esse lado maldito não são eles que o definem, mas sim o próprio establishment contra o qual se posicionam (as igrejas, a burguesia bem-pensante, o moralismo hipócrita, etc.). Trata-se de uma postura complicada, no mínimo: é que para existir ela precisa daquilo contra o qual se posiciona. Acaba por "fazer sistema" com o... sistema. E isto de modo simétrico aos homossexuais "integrados", isto é, os que em nome da "normalização" eliminam todo e qualquer traço socialmente definido como representativo de uma homossexualidade subalternizada ("bichice", frequência de certos meios, etc). Ambos os "modos" - um bem mais antigo, comum entre artistas (quando a palavra ainda significava uma identidade...) frequentadores dos bas-fonds dos "marinheiros" tão elogiados por Cesariny, e o outro bem mais recente, feito da imagem do casal de homens vestindo fato e absolutamente indistinguíveis dos outros homens à volta - me perturbam na sua ausência de criatividade, na sua ausência de crítica eficaz à "normalidade" e, em última instância, na sua rendição ao heterossexismo e à homofobia.
mva |
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