OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


22.12.04  

Cor de rosa ou azul?

Esta é a altura do ano em que nas lojas, perante presentes "neutros" (discos, livros, jogos...) nos perguntam se é para rapaz ou rapariga, de modo a "acertar" na cor dos laços. Cá por casa respondemos invariavelmente que "tanto faz" ou "isso não importa", suscitando autênticos curtocircuitos mentais n@s noss@s lojistas.

Muitos pais entram em pânico se vêem o filho preferindo uma boneca. Já não entram propriamente em pânico se vêem a filha escolhendo um carrinho. A razão é simples: a estrutura da masculinidade, ocupando ainda o centro hegemónico, precisa de ser cuidadosamente construída e vigiada. E é feita de negatividades: não ser menina, e não ser menina simbólica, i.e., homossexual. Como uma espécie de reis sagrados, os rapazes não podem ser "poluídos" pela proximidade ou presença de elementos contaminantes. Já as raparigas podem, na crença de que a sua "natureza" feminina é tão determinante (elas estão mais próximas da "animalidade") que mais tarde ou mais cedo se imporá.

Curioso é que muitos destes pais não percebam que são eles - com a preciosa ajuda dos sistemas educativos e de consumo - que estão a fazer dos seus rapazes rapazes. Num primeiro nível, partilham da crença do determinismo natural do género; depois dedicam-se ansiosamente a construir e vigiar a masculinidade dos seus rapazes; e num terceiro momento dizem que, independentemente das suas acções, os filhos rapazes são muito rapazes ("eu nunca dei uma educação machista, mas ele só gosta de correr e de coisas violentas..." - not: lembrem-se dos vossos rapazes aos dois ou três anos...), confirmando assim a crença no determinismo. Quanto a aperceberem-se do óbvio paradoxo, nada.

Isto acontece em grande medida porque aquilo que os pais estão a fazer na construção e vigilância dos seus rapazes é, por um lado, habitual e, por outro, uma projecção das suas próprias ansiedades, uma forma de confirmarem que o que lhes aconteceu, nas suas infâncias, tinha que acontecer.

PS: post inspirado pelas perguntas da jornalista, e amiga, Fernanda Câncio, que está a escrever um artigo sobre o assunto.

mva | 18:24|