OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


16.12.04  


Autor: Nuno Pinho (Resistente Existencial)

Escolhas.

Num episódio da série "Queer As Folk" uma das personagens afirma "depois de tanto tempo a esconder a minha homossexualidade, mentir torna-se um hábito, é natural". A expressão inglesa é mais feliz "It becomes second nature". Nos tempos que correm, urge lutar contra esta atitude, trepadeira que vai crescendo, tapando e asfixiando aqueles que se deparam com uma orientação sexual diferente. Todos sabemos que a melhor forma de evitar e eliminar este problema é fazendo uma "saída do armário" integral. Podemos até vir a ser activistas fervorosos e uma daquelas pessoas cujo esforço se traduz em benefícios para muitos. Infelizmente, este é quase sempre um caminho doloroso e traumático. A meu ver, parece óbvio que sem pessoas desta estirpe ficaríamos presos no limbo do preconceito. Por outro lado, ninguém é obrigado a tornar-se um mártir à custa de um preconceito exógeno.

A escolha dos nossos caminhos é complexa e pode ser expressa de muitas formas. O mais importante é que façamos uma, recusando a injustiça e o preconceito e lutando, com as armas que quisermos, contra eles. Por tudo isso, um "gay" pode ser tudo menos alheado política e socialmente. Não se comprometer é sofrer duplamente. Para além de ter que viver os problemas, torna-se impotente para os resolver. O nosso interesse e participação na vida política são vitais. A sociedade demora a mudar, mas a política, quando bem feita, acelera a sua evolução (veja-se a história da luta GLBT na Inglaterra). Será que nós sabemos em quem votamos? (Se é que o fazemos). O que é que governantes e líderes políticos pensam sobre os nossos direitos? Quais os seus projectos? Penalizamos aqueles que promovem ou toleram a homofobia e a exclusão? Socialmente, há muitas maneiras de combater a homofobia e espalhar a tolerância. Alguns podem fazê-lo através do trabalho, particularmente aqueles que lidam com pessoas. Mesmo no anonimato é possível, por exemplo com os cada vez mais numerosos "blogs". É vital transmitir a outros homossexuais (ou não) o caminho percorrido. Se conseguirmos que a luta de outros já não comece do zero, já é um grande feito (paradigmaticamente, não é comum que uma das primeiras grandes experiências de um jovem homossexual seja "descobrir" que há outros iguais a si?).

Estou convicto que, muito ou pouco, cada um de nós pode fazer algo para melhorar as nossas vidas e a dos outros, mais que não seja pressionando para o lado correcto. Por mais alheados e conformados que estejamos, é sempre boa hora para começar, nem que seja pelo mais ínfimo dos gestos. Altura de perguntar, "e eu, que estou a fazer?"

mva | 18:24|