OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


19.12.04  


Autor: Luís Mendes

Esta história pessoal vale pelo que vale e por ser absolutamente apenas isso: uma história pessoal. Há com certeza queer theories e outras, antropológicas, de cultural studies, cientistas sociais que se devem ter dedicado a isto, etc., mas eu, muito sinceramente, não sei e não posso falar disso. Trabalho/investigo na área dos estudos de cultura e comunicação e questões de identidade são lá centrais, mas por mim falo de identidades em permanente (co-)construção e reformulação, border zones e frontiers, spaces in-between e nada afirmo definitivo. Não vou ter pretensões académicas/científicas, só mesmo o que de definitivo me é pensar-me agora, hoje, aqui. Uma história muito pessoal e ao sabor do que sinto ("o que em mim sente está pensando"). E aqui vai.

Ser gay, para mim, é ser absoluto e perfeito. OK, não é uma apologia, não é nada a não ser eu senti-lo assim mesmo: uma relação de perfeição entre dois seres humanos. A relação de espelho em que com o outro eu me conheço a mim mesmo. Do outro lado do espelho não sou quem está ? facto. Ao meu lado, à minha frente, dentro de mim, vive outro homem que sendo homem como eu sou não sou eu mas é o mesmo corpo e sentir de homem que eu sou. Não quer isto dizer que eu 'use' o outro para me conhecer a mim, mas que a possibilidade de me conhecer no outro lado do espelho se concretiza por alguém que não tendo as minhas mãos sabe onde a minha pele quer ser explorada. Os mesmos líquidos, saliva, suor, sémen, sangue, têm os mesmos sentidos e juntos somos assim, ainda que dois, um.

Não sei explicar isto muito bem. Não é uma razão para eu ser gay, não pensei isto para 'decidir' sê-lo, mas a complementaridade homem-mulher parece-me mais sexual e culturalmente determinada do que a de duas pessoas do mesmo sexo, de onde a primeira poderia ser considerada procriativa e a segunda criativa. E a verdade é que o prazer e sentidos sensuais e sexuais podem perfeitamente ser retirados da relação de procriação, mas o acto criativo que me institui e ao outro igual a mim, e outros de si e de mim mesmos, é completo, perfeito, e, logo, de um prazer ontológico que se funda em actos sensoriais, sensuais, sexuais.

Complicado? Parece-me tão natural, tão simples. De resto, há sempre o que a Yourcenar disse de Zenão n'A Obra ao Negro: "Talvez, também, opções dessas estivessem ligadas a apetências tão simples e inexplicáveis como as que se têm por um fruto e não por outro: pouco lhe importava". A mim pouco me importa também. Eu e o A. somos muito felizes.

mva | 19:08|