OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


31.12.04  


Autor: Boss.

A pornografia é fascizante?

O pornógrafo gay e realizador Bruce LaBruce não hesita na resposta e vai mais longe, diz mesmo «toda a pornografia gay actual é implicitamente fascista. O fascismo está nos nossos ossos, porque tudo se resume à glorificação da supremacia do homem branco e a fantasiar dominação, crueldade, poder e figuras autoritárias monstras.» Confesso que estas declarações muito me surpreenderam, considero-as não só homofóbicas, como ignorantes em relação à pornografia hetero.

Durante muito tempo foi quase consensual entre os movimentos feministas que a pornografia hetero consistia numa exploração da mulher, sendo apelidada de "ultra-machista". Mas o que é a porn? Arte,política, ou simples entretenimento?

Tudo é arte, ou passível de ser olhado como tal, e tudo é política e politizável, mas claramente o primeiro objectivo da pornografia é entreter. Aliás, excitar, estimular sexualmente, é usada pelas pessoas para alimentar a mente com fantasias ou tornar mais excitante um acto sexual simultâneo com o consumo da porn. A porn é até usada para produzir mais porn, são infindáveis os filmes com cenas em que os actores vêem porn, e é já um clássico o visionamento de porn hetero por actores hetero enquanto participam em filmes gay! - fuel for their erections.

Mas porque é então algo tão prazenteiro apelidado de fascista ou machista? Bruce LaBruce refere-se à "glorificação da supremacia do homem branco". Na porn como em Hollywood, a maioria dos actores são efectivamente brancos, e o racismo é efectivamente o culpado por esta situação, mas daí a considera-lo um mal exclusivo da porn vai um longo passo - infelizmente não o é. E o facto de os actores serem maioritariamente brancos não implica per se uma glorificação racial, por exemplo, na pornografia made in Czech Republic os actores serão quase que inevitavelmente brancos. Além disso Bruce revela uma visão muito redutora do mundo da porn gay, nem toda consiste na glorificação de homens hiper-masculinos e musculados, desde filmes sobre gang-raping de brancos por negros, a filmes sem qualquer tipo de violência, estilo "lar doce lar", desde actores hiper-masculinizados à porn she-male, o mundo da pornografia homossexual revela uma diversidade estonteante.

E estas críticas que Bruce faz à por gay fariam por ventura mais sentido em relação à porn hetero. Neste caso é mais fácil interpretar na porn uma glorificação do masculino à custa de uma subjugação do feminino, é este aliás o ponto de vista das feministas da velha guarda. Peguemos num exemplo clássico, a cena da ejaculação facial, tão comum no final de filmes hetero ou gay. Se interpretamos esta cena como uma subjugação d@ "ejaculad@" perante o "ejaculador", o machismo só estará implícito na versão hetero. Mas questionemos o princípio de que tal cena implica subjugação, porquê? Não haverá gente que goste de receber uma ejaculação na cara? Não poderá a dita ejaculação acontecer sobretudo por pressão de quem a recebe (I'm thinking on people like Tristan Paris)? Não será preconceituoso achar que determinadas posições sexuais são "dominadoras" e outras "subjugadoras"? Não será um turn-off tremendo politizar o que nos dá prazer na cama?

Parece-me urgente o elogio da pornografia, tanto mais quando estamos prestes a ter um primeiro ministro que questionou recentemente o direito ao seu consumo. Um 2005 pornográfico para tod@s!

Boss

mva | 13:00|