OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


7.12.04  

Ainda a língua.

Um dos "argumentos" sobre a política da língua é dizer que "o espanhol está a expandir-se e o português a deixar-se ultrapassar". Ainda ontem o ouvi ao zapar displicentemente pelo programa da RTP. É cretino, o argumento. É que não há comparação possível. Porquê? Porque, embora o português seja falado por muita gente, o critério do número de falantes não é o principal. Se o fosse andávamos todos a aprender chinês mandarim. E há duas razões de força que dão preponderância ao espanhol: o bloco latino-americano (menos o Brasil), constituído por muitos países, o que multiplica o factor político da importância do idioma. E, sobretudo, o facto de o espanhol estar a ganhar importância nos EUA, graças às comunidades hispânicas. É através da centralidade dos EUA que o espanhol "cresce". Por outro lado, há que ser realista em relação à geopolítica do português: alguém com juízo contabiliza nesta disputa (note-se: na geopolítica e na economia global das línguas) o contributo dos Palops ou de Timor? Claro que não. E o Brasil, gigante que é, ainda é (infelizmente) um anão económico e geopolítico. Em rigor, vivemos um paradoxo: falamos uma língua top ten em termos populacionais, mas próxima do dinamarquês em termos de "peso" (exagero, mas há que...). Por fim, por que raio há-de esta questão ser sequer importante? Não será ela sintoma de uma qualquer ansiedade identitária das elites perante a crescente desmultipicação dialectal do português, perante as crioulizações e perante a massificação do ensino - conducente a novas e "erradas" formas de escrita e comunicação? Ou perante a evidência de ser o Brasil O território do português por maioria de razão? A verdade é que nunca vi tanto livro em português (e refiro-me, nesta lista, a Portugal e, sobretudo, ao Brasil), tanta televisão em português, tanta música cantada em português e tanta escrita internáutica e SMS... De que se queixam, então?

mva | 18:24|