OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


24.11.04  

Público, privado e íntimo.

Folheei a "Sábado" e a entrevista a Paulo Portas. Longa entrevista, muitas páginas, sobre tudo e mais alguma coisa. Algures no meio, duas petites questions: "Você é conservador e é solteiro e sem filhos. Vai continuar assim?"; e "Alguma vez se apaixonou?" (as citações não são, de todo, literais, mas feitas de memória). Respostas do jeune homme: "Se acontecer eu aviso" e "Isso é que não respondo mesmo".Está visto que a direita não subscreve a máxima feminista de que o "privado é político".

A propósito, convém talvez explicar onde me situo nesta questão. Também eu acho que o privado é político: os arranjos conjugais, a orientação sexual, as decisões sobre constituir família, ter ou não crianças,etc., não são, a meu ver, questões privadas no sentido que se dá à expressão "reserva da vida privada". Porque são questões que têm a ver com a estrutura mesma da sociedade, dos contratos entre as pessoas, e dos modelos para o futuro, a educação das crianças, a garantia dos direitos, a promoção da diversidade, etc. Outra coisa (embora, reconheço, a diferença seja aparentemente subtil) é a intimidade. Não existe uma simples dicotomia público/privado, mas um triângulo em que entra também o íntimo.

Exemplifico comigo: assumo publicamente que sou homossexual, que escolhi viver numa união de facto estável, que defendo o direito a casar e a adoptar se o desejar, que sou tendencialmente monogâmico, etc., etc. Mas já não falo, em jornais ou TVs, da pessoa concreta com quem vivo, dos meus sentimentos, ou dos pormenores afectivos ou sexuais da nossa relação. Não é que ache que não se deva fazer; apenas acho que a ausência dessa informação não constitui uma apolitização do privado.

A resposta de PP à segunda pergunta é-me simpática, porque relativa à intimidade. Só que, no contexto da entrevista, serve para encobrir o contrato de apolitização entre ele e os jornalistas constante na primeira pergunta e na primeira resposta.

mva | 14:19|