OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


13.11.04  

Helicóptero, caixão, homens aos tiros.

De onde veio a sensação desagradável que tive ao ver as imagens da chegada do caixão de Arafat à Palestina? De uma diferença cultural que não consegui relativizar? Não creio. Foram duas as fontes de mal-estar. Primeira: aqueles milhares e milhares de pessoas eram homens; e aqueles milhares e milhares de pessoas estavam aos tiros. Bem sei: a Palestina é parte do mundo árabe-muçulmano, com a sua rígida divisão de géneros. E dar tiros para o ar faz parte da tradição árabe em momentos de festa e dor. Mas também sei duas coisas mais: nalguns contextos árabes e/ou muçulmanos a rigidez da ordem de género tem sido contestada, shotguns and all.

(É claro que também sei que o povo palestiniano vive numa situação de apartheid e que, encostado à parede da forma mais cruel, o pior vem ao de cima. Por isso mesmo é tão triste assistir, nos últimos anos, ao incremento do fundamentalismo na Palestina, do terrorismo na Palestina, do silêncio e conivência das autoridades palestinianas, e da perda generalizada de uma cultura de laicidade, democracia e paz. Por muito grande que seja a culpa dos governos de Israel - e é, e imensa - raramente a estupidez do inimigo pode justificar a nossa).

mva | 01:47|