17.10.04
Mais Torquemada.
Vejam esta excelente crónica do Augusto M Seabra. Não resisto a citar três trechos:
«(...) Buttiglione acha que "o Estado não tem o direito de meter o seu nariz neste domínio" e J.M.F. fica em êxtase "liberal"! Será assim tão simples? O Estado não tem que regular a vida privada (era o que faltava!), mas tem que assegurar justamente que cada indivíduo, cada cidadão e cidadã, livres e iguais perante a lei (uma matriz da cultura europeia e mesmo "ocidental" de que J.M.F. tanto se reivindica, e eu também), possam usufruir do seu estatuto. O que Buttiglione propõe é que as mulheres aceitem uma função especificamente reprodutora dentro do "matrimónio", e que os "homossexuais" usufruam o seu "pecado" no estrito domínio da privacidade. São isto liberdades e direitos? É isto liberal? (...)
É muito fácil dizer, como Buttiglione fez, e outros repetiram, que ele separa as suas convicções pessoais da lei. Mas então, sabendo que a homofobia e a discriminação das mulheres (duas posições de facto tão reiteradas pelo Vaticano woytiliano a que o comissário está tão estritamente ligado) são matérias reais as quais, tendo que ser enfrentadas no plano das mentalidades, há também que considerar no quadro das acções políticas e dos enquadramentos legais, incluindo o nível supranacional europeu, sabendo-se isso, a indicação de Buttiglione é, das duas uma: ou uma opção pela inacção, ou um desafio a que viole a sua própria consciência - poderá ele levar por exemplo à consideração medidas "permissivas" do "pecado"? Então? (...)
Não é esta a primeira vez que J.M.F. usa de uma figura retórica de subscrever ou justificar uma argumentação dominante (é uma evidência empírica que num país como Portugal opiniões como a de Buttiglione colhem larga aceitação) como se fosse esta a estar acossada. Agora chega mesmo a falar, a propósito do voto da Comissão, dos que "vestem a pele de Torquemada dos nossos dias". Torquemada era inquisidor, e a sequela do Santo Ofício é a Congregação da Doutrina da Fé do cardeal Ratzinger que elabora os documentos pontifícios que o católico Buttiglione subscreve e o laico J.M.F. justifica (por exemplo, "A Coerência do Papa", editorial de 03/08).» (...)
mva |
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