OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


1.10.04  

Já e em força.

Carmen Montón, responsável no grupo parlamentar do PSOE pelas questões LGBT dizia: "Primeiro há que garantir a igualdade, depois mudar as mentalidades". Tem toda a razão. A treta da mudança de mentalidades serve de desculpa para não fazer nada. É lenta, e é impulsionada pelas mudanças políticas e legislativas - as mulheres e os negros que o digam...

Mas para haver a mudança legislativa é preciso políticos que honrem a profissão com visão, sentido de democracia, justiça e igualdade. É isso que nos falta. Permitir o casamento civil - e, sim, a adopção como parte integrante de um direito pleno ao casamento - não é uma coisa de somenos, dirigida apenas aos e às LGBT; é uma mudança fulcral nos conceitos mais antigos de casamento, família, parentalidade. E ainda bem.

É por isso que não suporto os argumentos (vindos quer "de fora" quer de alguns LGBTs) que desprezam o assunto; que confundem acesso a direitos com usufruto; que des-gostam da ideia porque são contra a história patriarcal do casamento (uma coisa não impede a outra!); que usam falsos argumentos antropológicos sobre a "ordem simbólica" (acontece em França com antropólogos e psicólogos congelados num estruturalismo conservador) e o perigo da sua ruptura com estas inovações; ou que usam o argumento das prioridades (nada impede que se exija - e deve-se fazê-lo! - uma lei anti-homofobia, por exemplo) ou que se faça todo o trabalho lento e duro de mudança de mentalidades; ou que usam a figura social contemporânea de A Criança como um fantasma dos medos do que acontecerá se os casamentos forem permitidos.

O acesso de LGBTs ao casamento é uma enorme revolução tranquila. Vai mexer na influência de igrejas retrógradas na sociedade; vai mexer na figura da família e do próprio casamento. Ainda bem. Mas não vai fazê-lo através da negação de direitos a ninguém, nem através de uma revolução totalitária em nome de utopias, nem através da concessão de privilégios. Vai fazê-lo através da extensão de direitos - na linha das grandes revoluções democráticas do mundo moderno.

E agora pergunto: cadê uma Carmo Montão? Ou um Sapateiro? A desculpa de que os políticos portugueses reflectem a sociedade não cola: não esteve a Espanha anos a fio debaixo de Aznar? E afinal é Zapatero que tem razão quando diz que o PSOE é o partido que, neste momento, mais está em sintonia com a sociedade espanhola - os seus anseios de justiça e equidade, algo que está sempre aí para quem quiser ouvir bem, independentemente da "mudança de mentalidades"...

mva | 19:54|