OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


28.10.04  

Brasil III.

Caxambu, MG

Ontem, no boteco do Paulão, em torno de umas cervejas, pude reencontrar a Ju e a Kelly. A Ju passou uma temporada longa em Portugal, como parte da sua pesquisa sobre transexualidade. Foi através dela, inclusive, que consolidei a minha amizade com a Jó e que comecei a perceber melhor o universo trans. A Kelly também passou uma temporada em Lisboa, preparando a pesquisa em Timor. Ambas produziram excelentes trabalhos que ganharam com a sua multilocalização. Estes trânsitos entre territórios com língua partilhada interessam-me, mas não por qualquer elogio da "lusofonia": o que elas fizeram não foi reproduzir ideologias culturais apressadamente criadas no desespero pós-colonial português, mas sim usar a língua comum como instrumento facilitador para produzir conhecimento mais rico sobre objectos que não a dita lusofonia. E conhecimento útil em qualquer lugar do mundo. (PS: é claro que nos congressos se tomam uns quantos copos - não estamos aqui para enganar ninguém...)

Dizer, como no último post, que estou home é um exagero retórico, claro. Home is where the heart is, e embora o transporte comigo, ele não está, infelizmente, aqui... Mas há outra coisa que torna difícil estar-se totalmente home alhures. Quem diria que essa outra coisa é a política? De facto, é-me muito difícil perceber a política brasileira, porque conhecer a política requer uma intimidade difícil de adquirir. Posso perceber que este ou aquele político é de direita ou de esquerda, mas não vibro com as subtis diferenças, e essas é que importam. A milhares de km de distância, o que me faz vibrar é a notícia durano-buttiglionesca, a notícia marcelista...

A propósito: é da distância ou poderá dizer-se que o caso Buttiglione foi a primeira vez que houve política democrática e participada ao nível auropeu? Quer dizer: houve de facto um movimento europeu, que envolveu movimentos sociais, partidos, opiniões públicas, jornais, em todos os países; e que teve sem dúvida um efeito. Foi a hipótese de aquela personagem ocupar aquele lugar que mexeu com as pessoas.

Em que consistiu o meu fascínio inicial pelo Brasil há uns dez anos atrás? O facto de ter cá vindo pela primeira vez na sequência de um convite (o Brasil não me atraía e não pensava cá vir...) e ter logo ficado siderado com a oscilação constante (minuto a minuto, de facto...) entre extrema semelhança e extrema diferença. Um balancé desses é ouro sobre azul para um antropólogo que, como eu, não é atraído por purezas e fronteiras definidas, mas sim por ambiguidades.

mva | 14:12|