OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


21.7.04  

De regresso à terra pá(t)ria.  
 
Talvez o que mais me tenha marcado em Marselha tenha sido a apresentação feita por activistas da Polónia e da Sérvia. Os primeiros passaram um vídeo dos acontecimentos da primeira marcha realizada em Cracóvia, que terminou em violência, com o ataque com pedras e ovos por parte de activistas ultranacionalistas e fundamentalistas católicos da Liga das Famílias Polacas, grupo maioritário polaco no Parlamento Europeu. No caso sérvio, algo de semelhante aconteceu. A primeira marcha de sempre em Belgrado foi atacada por 1000 hooligans dum movimento ultranacionalista liderado por um padre ortodoxo. No início apenas dez polícias estavam presentes e foram linchados. Cerca de quarenta gays e lésbicas terminaram no hospital com ferimentos graves. As imagens de pessoas a levarem pontapés na cabeça puseram-me num estado deplorável.

Numa conferência de imprensa, um dos atacados, ainda com a cara ferida e os olhos negros, dizia uma frase fortíssima: 'hoje aprendi o que é ter o funcionamento de uma sociedade inscrito no meu corpo'. Mas o mais chocante são as declarações dos 'inocentes transeuntes', como uma senhora que diz que as lésbicas e os gays não deviam sequer sair à rua, pois assim só provocam violência: 'deviam ficar em casa e procurarem curar-se. Além disso são uma minoria e nós a maioria, e devem habituar-se a isso'.
 
Os nossos amigos polacos e sérvios não organizaram marchas este ano. Representando a Polónia, estavam dois jovens muito jovens, um rapaz e uma rapariga de ar frágil. Mas com uma força incrível, pois estão já a planear um grande pride para o próximo ano e precisam da nossa ajuda. Vinda de Belgrado estava presente a Jasmina, uma lésbica do grupo Labris que, de forma mais fatalista, não vê como seja possível vir a organizar outra marcha, pelo menos não sem que a UE antes faça exigências à Sérvia para alterar as leis e garantir a segurança.
 
Mas convém lembrar que, ao contrário da Sérvia, a Polónia já é parte da UE...  E, comparando com a nossa situação, os nossos amigos de Leste estão mesmo mal. Se calhar é altura de nos solidarizarmos e oferecermos ajuda. Ao nível europeu está a tomar forma a ideia de uma romagem a Belgrado no próximo ano para fazer uma grande marcha com gente de vários países; e no caso da Polónia - em Cracóvia - já está em marcha a ideia de fazer um congresso nos dias do Pride, de modo a legitimar perante as autoridades os assuntos lgbt (a Liga das Famílias Polacas está a fazer uma petição para um referendo para destituir o Presidente da Câmara por ter autorizado a marcha e ter, assim, contribuido para 'promoção da depravação').
 
Não fiquemos parados, feitos párias, queixando-nos dos nosso problemas. Darei mais notícias sobre isto à medida que houver novidades.
 
PS: neste fim de semana de ausência, a Zamba foi achocolatada pela Sara e pela Rita ( o meu favorito diz que foi muito agradável) e o meu blog foi apimentado pelo fenómeno mmg. Às primeiras desejo cada vez mais chocolate, ao segundo... um boletim de inscrição na Liga das Famílias Polacas.

mva | 02:28|