OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


11.6.04  

Parentes.

Tenho estado mergulhado a ler e corrigir dezenas de trabalhos dos meus alunos. O exercício consistiu em fazerem histórias de família de modo a perceberem o processo de formação das identidades individuais como em grande medida resultante de processos de reprodução social e transmissão de vários "capitais" (e falta delas) ao longo das gerações. Fiquei atónito com a recorrência de más relações entre pais e filhos; de violências físicas e simbólicas; de preconceitos de classe, de género, de raça, de orientação sexual, de religião, de...; de "traições" e "infidelidades mas, sobretudo, de deslealdades. Tudo o que a "moral do parentesco, da família e do casamento" se esforça por marcar como anómalo.

Já agora, para benefício dos meus alunos, a rectificação de um erro recorrente: quando confrontados com figuras de mulheres e mães fortes, é comum aparecer o termo "matriarcal". Nada de mais enganador. Aquilo a que se querem referir é a situações do que chamamos "matrifocalidade", quando a gestão doméstica e familiar pelas mulheres lhes confere um espaço de relativo poder, que redunda na importância psicológica que depois assumem para os filhos. Mas esta matrifocalidade pode ser - e é, no caso da nossa sociedade - um "sub-sistema" do patriarcado e, em boa verdade, um sub-sistema de reprodução do patriarcado, o qual se define como um sistema baseado na distinção de dois géneros correspondentes a dois sexos, tidos como complementares mas vividos numa assimetria de poder, e assente na proibição da homossexualidade. O matriarcado pura e simplesmente não existe e usar a expressão mesmo que entre aspas pode acabar por fazer desviar a atenção do patriarcado, criando uma falsa simetria.

mva | 16:56|