OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


11.6.04  

O racismo é isto.

Toda a gente parece achar normal que o dirigente político de direita Santana Lopes tenha demitido o sub-comissário racista. E é. Mas também não é. Pois há bem pouco tempo Luís Villas-Boas não foi demitido pelo goverbno de direita pelas suas afirmações homofóbicas.

Isto indicia uma coisa que já sabemos. Por causa da experiência da Segunda Guerra Mundial (do nazismo, do Holocausto) e por causa dos processos de descolonização que se lhe seguiram, o racismo transformou-se numa forma de vergonha social. Isto é, tornou-se de senso comum (quase) achar que ser racista é feio. Os próprios governantes de direita se sentem obrigados a demonstrar anti-racismo. As pessoas comuns fazem uma inflexão de discurso dizendo que "não sou racista, mas...". Mas a principal inflexão é a que se deu de "raça" para "cultura". Esta passou a ser vista como uma característica inerente e essencial de grupos concretos. Como algo de puro, incomensurável, incomparável e que necessariamente gera atritos. Esta interpretação completamente errada da noção de cultura substitui agora o racismo explícito e chama-se, segundo a minha colega Verena Stolcke, "fundamentalismo cultural". É isso que o sub-comissário expressou quando falou dos "usos e costumes" (essa velha expressão de uma velha e reaccionária antropologia)das pessoas de "tez escura" (e cá está o receio de usar a linguagem racializada... usando-a). É contra este fundamentalismo cultural que tem que se lutar também.

Nada de semelhante aconteceu, ainda, com a homofobia, pelo menos entre nós. Mas há-de acontecer. E nesse momento o preconceito manifestar-se-á sob outras formas. É provavelmente impossível imaginar um mundo sem preconceitos. Mas é perfeitamente viável um mundo com leis contra a manifestação do preconceito e com pedagogias para a sua destruição.

mva | 17:06|