Convenhamos: Durão Barroso, comparado com vários barões do PSD e com Santana Lopes, até que nem demonstrou ser o tipo de figura pública das revistas sociais, do futebol e de outras rasteirices nacionais. A sua figura pública não convoca imagens de machismo, homofobia, classismo, etc., nem sequer aquela linhagem antiga e sobrevivente que dá pelo nome de "salazarenga".
Talvez por isso mesmo o capital acumulado (não de simpatia mas de não-antipatia visceral) caiu ainda mais estrondosamente com a sua fuga para Bruxelas. Porque duma fuga se trata: DB foi "resolver a vida", guiado pelo interesse pessoal; DB aproveitou para fugir a meio do mandato, quando as coisas correm mal e a direita teve a maior derrota eleitoral na história da democracia portuguesa.
Que as pessoas comuns podem "resolver a vida" vai de si. Mas mesmo elas pesam os prós e contras, sobretudo quando há responsabilidades envolvidas (quem vai embora para um trabalho bem pago no estrangeiro quando tem que acompanhar um ente querido precisando de ajuda, por exemplo?); mesmo elas sentem problemas de auto-estima e respeito se abandonam um trabalho ou tarefa em que acreditam, só porque as coisas estão numa fase má.
Mas o que DB fez - e isto para que não esqueçamos que é sua a responsabilidade pela crise, no momento em que nos concentramos em PSL - foi pior ainda. Por várias razões. Em primeiro lugar tudo foi negociado às escondidas e criteriosamente planeado. Esse planeamento incluiu o cenário da derrota eleitoral (o que é que fazemos quando a merda atingir a ventoínha?, pardon my english...)e incluiu o calendário do Euro, para permitir o desvio das atenções e a galvanização patrioteira (um português em Bruxelas, wow!, como se esse português não fosse um aliado de Bush e um primeiro-ministro que foge com o rabo à seringa!).
Em segundo lugar, incluiu a demagogia da forma versus conteúdo, da legalidade versus legitimidade. É fácil enganar os portugueses nisto: num país onde ninguém respeita a lei, demonstrar "rigor" administrativo é sempre visto como o ex plus ultra da ética (é como os chatos das assembleias gerais que fazem perder horas com a redacção dos "articulados" dos estatutos...).
Convém dizer que o PR pode decidir igualmente indigitar novo primeiro ministro ou convocar eleições - e a decisão deve assentar nmum juízo político que é o que confere legitimidade à solução. Nomeadamente auscultando a sociedade, nem que seja dando algum crédito às sondagens, e imaginando os cenários futuros (isto é algo que nem os jornalistas políticos percebem, pois falam de política como quem fala de futebol: discutem pessoas, estratégias e manigâncias e nunca falam do que se passa na sociedade, entre os eleitores e as suas vidas).
A prenda envenenada de DB foi, portanto, PSL: um demagogo populista, sem qualquer espécie de capacidade para o quer que seja (como demonstra a administração de Lisboa, porca e estragada como nunca) que não a politiquice e a publicidade; aliado do pior que há neste país, o futebol-empresa e as autarquias; querido pelas camadas que desprezam "os políticos" (bela contradição...), ingénuas o suficiente para alimentarem essa convicção com o anti-politiquismo de PSL, de profissão... político.
Tudo neste processo foi legal. Tão legal como as mil e uma trafulhices que se fazem todos os dias, da fuga aos impostos aos desvios de fundos, sempre baseados em manipulações legalistas. Mas tudo nele foi ilegítimo, moral e politicamente, como aquelas trafulhices o são. De fora de qualquer decisão ficam os eleitores, reféns agora das hesitações presidenciais, e em breve de dois dos melhores travestis de políticos democratas desde a invenção de Berlusconi - Santana Lopes e Paulo Portas (que - ironia trágica - tendo sido remetido para o patamar dos 2% nas eleições e sondagens, sai agora reforçado!).
Auto-satisfeito, em inglês manhoso, DB tentou ontem mostrar aos jornalistas que foi a escolha da Europa. Refugo dos refugos, marioneta para Chirac, Blair e Schroeder (ora puxa o cordel do projecto europeu, ora puxa o cordel da aliança com a América), o homem do nome complicado abandona o "Durão". Assim como a naçao de onde vem: manca e atamancada. Com erro de ortografia. Sem a onda. Sem onda.
Simpelismu, pupulismu, e demagujia serão (ainda mais) o pão nosso de cada dia. Com muita injustiça à mistura. Anestesiados pela falsa ideia de que não têm poder, de que todos os políticos são iguais, a maioria dos eleitores nem se vai importar. Se se revoltar, será indirectamente, através da pequena revolta, que consiste na falta de civismo e na lei da selva. Vai continuar a fazer mais do mesmo: resolver a vida através dos esquemas, dos compadrios e dos familismos, porque são esses os únicos recursos num sítio onde a democracia, o Estado e a sociedade civil não funcionam. Curiosamente, é justamente isso que os Santana Lopes e Paulos Portas deste mundo reforçam através das suas acções e discursos. E é para isso que Durao Barroso acaba de dar o contributo final e fatal - provavelmente com a ajuda aflita do Presidente da República.