Ontem à noite fui esmagado pela histeria de massas da imensa maioria celebrando um jogo de futebol (!) e, através dele, a emoção básica do "patriotismo". Isso, sim, preocupa-me. A isso, sim, não posso escapar. Isso, sim, é um problema das democracias. Mas hoje de manhã, na véspera da Marcha LGBT, que tanto custa a organizar, contra uma opinião pública patriótica e hooliganistamente homofóbica, contra um presidente da câmara provinciano, e contra a Vergonha que mui@s LGBT sentem de si mesm@s, a maior desilusão foi o seu artigo. Sobretudo por ter sido escrito por quem foi e por se perceber que o que a move não é a homofobia daquela opinião pública, mas sim algo de igualmente preocupante: a fantasia de que "as diferenças existem" independentemente da sua visibilidade, quando, de facto, é a criação de visibilidade e auto-estima que abre o caminho à existência das identidades plurais.
A razão porque se usa a palavra "orgulho" não é substancialmente diferente da que levou, nos anos sessenta, os negros norte-americanos a dizerem "Black is beautiful". Trata-se de inversão do estigma, como qualquer manual de sociologia explica. Certas identidades são minoritárias não especialmente por razões demográficas mas porque são menorizadas. No caso gay, a identidade nem sequer existe como uma possibilidade quando as pessoas nascem. Vivemos numa sociedade onde não é suposto haver homossexuais. As pessoas são todas educadas (mesmo por quem é tolerante, já que a estrutura familiar envia para a heterossexualidade) na ausência da possibilidade de homossexualidade. Mas há mais (e bem diferente de outros "casos identitários", pois a homossexualidade não está marcada no, ou simbolizada pelo, corpo): as pessoas crescem aprendendo que ser homossexual é errado, feio, mau ou, nos casos mais "tolerantes", problemático. E mais ainda: entra-se na auto-identificação como homossexual já com a marca do insulto e da injúria (leia-se, por exemplo, o filósofo francês Didier Eribon).
Quando alguém sai deste esquema, isto é, quando alguém sai do armário para se identificar como homossexual, é da conquista de orgulho que se trata: recusa da vergonha, orgulho em ter conseguido dizer que se tem direito a ser como se é, orgulho em tornar-se visível numa sociedade onde a invisibilidade é a garantia da estigmatização da homossexualidade. No fundo, a palavra inglesa pride talvez até fosse mais bem traduzida, do ponto de vista de uma tradução cultural portuguesa, como respeito ou "honra" (como em "sou gay e com muita honra"). "Orgulho", "respeito" ou "honra", pouco importa: do que a Marcha trata é de visibilização, celebração, combate à homofobia, e exigência de direitos cívicos.
Quanto ao resto, só a pressa de uma crónica ou a desatenção podem justificar a sua análise. As democracias não têm o problema das minorias. Se o tivessem não eram democracias. As democracias têm, sim, o problema das maiorias. Do mesmo modo que não existe uma "questão judaica", mas sim uma questão anti-semita. Para nós, é semelhante: o problema é a homofobia, e o instrumento da homofobia é o insulto e a inculcação da vergonha. O antídoto para isso é o orgulho, o auto-respeito, a exigência de respeito. Mas não é nada de semelhante a um orgulho étnico ou supremacista: como poderia sê-lo, se ser homossexual não é pertencer a um grupo étnico, racial ou nacional, já que ninguém é reproduzido (biológica e socialmente) como homossexual? Quando toda a gente que acaba assumindo-se como homossexual, fá-lo depois de um árduo processo de descoberta?
Esse processo passa por encontrar semelhantes e por, com el@s, construir alguma espécie de movimento e "comunidade", que ajude a dizer aos outros - aos que estão no armário - que podem sair à rua, que podem entrar na polis, e que devem fazê-lo lutando, pois a polis não lhes abre as portas por livre iniciativa. Bem o contrário. Entreabre-a, a custo, para logo de seguida alguém questionar o acessório, esquecendo o fundamental: a exigência de "nem menos, nem mais, direitos iguais" - justamente um dos lemas mais usados nas nossas marchas.