28.5.04
Shalom/Salam.
Simpatizo com a Esther Mucznik, não só pela honestidade do seu pensamento (com que nem sempre concordo) como pelo facto político de ser a primeira pessoa judia portuguesa a assumir-se como tal enquanto comentadora na imprensa, num país que insiste em limpar o judaísmo da sua memória colectiva. Mas a sua crónica de hoje é um bocado atrapalhada. Desde logo por meter no mesmo saco os movimentos lgbt e as manifs anti-globalização, e estabelecendo uma visão maniqueísta entre quem está contra e a favor de... bem, e aqui é que o problema começa: EM, como muita gente, coloca a linha divisória no anti-semitismo e anti-judaísmo. Também eu acredito nessa linha, porque é fundacional da divisão entre pensamento autoritário e pensamento democrático na Europa. Não se pode é vê-la onde ela não está. Se há coisa que me irrita é o anti-semistismo implícito, profundo, inconsciente quase, que permeia muito do pró-palestinianismo e anti-israelismo, sobretudo na esquerda. Mas também me irrita o reverso, aquilo que EM faz na crónica de hoje. Questionar a política do estado de Israel não é questionar o estado de Israel. Apoiar a causa palestiniana não é apoiar o Hamas e os bombistas suicidas. Já agora, fica a minha opinião sobre o assunto:
Acho que Israel é um estado de pleno direito e qualquer proposta da sua extinção é criminosa. Não me importa nada, hoje, como ele foi constituído: também os EUA ou o Brasil foram feitos com o extermínio dos índios e a importação de escravos e Portugal com a expulsão dos árabes e o comércio de escravos. E a Palestina é em larga medida uma invenção (como quase todas as nações...) pós-Israel, resultante da marginalização dos habitantes árabes locais. Mas a História é assim e remendá-la a posteriori é tão idiota como reivindicar legitimidades históricas sobre territórios. A questão é, pois, uma de democracia, cidadania e direito à igualdade - só possíveis com a paz, mesmo que a paz seja a da derrota relativa de ambos os lados. O que precisa ser "remendado" em Israel-Palestina é a situação dos palestinianos, vítimas dos fundamentalistas e terroristas palestinianos e do terrorismo de estado de certos governos e tendências israelitas. Em última instância também os israelitas são vítimas disso, assim como são vítimas dos ataques terroristas de alguns palestinianos. Não consigo simpatizar (understatement of the year...) nem com o Hamas nem com Sharon. Crispadas - e tão dramaticamente - como estão as coisas, a única solução passa por aceitar os mecanismos toscos que ainda temos, a saber, a constituição de estados. Um palestiniano e um israelita. O que implica a divisão de terra e recursos, com supervisão internacional, de preferência com o apoio de um governo não Republicano americano. Passa, infelizmente, pelo adiamento do sonho de um estado laico partilhado por palestinianos muçulmanos e cristãos, por israelitas árabes e judeus e por todos os que nem religião têm e oriundos das mais diversas partes do mundo. Mas como a actual situação é uma situação de desproporção de forças, nada acontecerá enquanto o governo do estado de Israel não ceder. Curioso é que muitos judeus e/ou israelitas dizem o mesmo.
Acredito que muito anti-israelismo esconda anti-semitismo. Mas o anti-semitismo é um problema muito mais vasto e profundo, a ser combatido implacavelmente. Nem todo o anti-israelismo é anti-semita. E, sobretudo, "anti-sharonismo" não é necessariamente anti-israelismo. Começar a confundir anti-israelismo com anti-semitismo pode acabar por ser contraproducente para a causa que defendo (e que EM obviamente também defende): a do combate sem tréguas ao anti-semitismo e todas as formas de racismo, xenofobia e etnocentrismo.
É pena que a política dos últimos governos de Israel - mas sem dúvida também o regresso do anti-semitismo no mundo - tenha tido como dano colateral o fim de uma diáspora judaica cosmopolita, progressista e crítica do sionismo fundamentalista.
mva |
18:56|
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