OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


16.5.04  

Mais África.

A Sara reagiu, e muito bem (como de costume) ao meu post sobre o Agualusa. A questão da África na memória de muit@s portugues@s contemporâne@s é o típico assunto tenso e denso que normalmente fascina os antropólogos mais modernos. Porque junta a questão emocional das biografias e histórias de família, com questões sociais e políticas da história recente: o colonialismo, a descolonização, o racismo, a experiência da alteridade, da hibridez, e tantas outras. Nestas coisas, desgostam-me os programas ideológicos, quer do tipo a armar ao lusotropical, quer do tipo esquerdista que mete no mesmo saco de gatos do colonialismo os políticos e as pessoas comuns. A forma mais rica e produtiva de construirmos uma narrativa colectiva sobre "a questão" é não construirmos uma narrativa colectiva, mas sim múltiplas estórias de pessoas, famílias, viajantes - e de todos os quadrantes identitários. É isso que a auto-análise da Sara faz. E é isso que as estórias do Agualusa fazem. A fronteira que separa isto dos álbuns que agora se vendem, do tipo "Postais de Lourenço Marques" é, sem dúvida, ténue. Mas seria bom que mais gente se arriscasse a exercícios de memória e de recuperação de memórias familiares. Entre outras coisas bem mais importantes (o sentido de identidade pessoal de cada um e cada uma), talvez começássemos a perceber melhor o que se passa hoje num país com uma tão alta percentagem de pessoas que "passaram por" ou viveram em África e com cada vez mais imigrantes das ex-colónias. Porque sem dúvida estas experiências acumuladas alimentam a forma como o país se vai representando a si próprio como pós-colonial e como representa (ou não)os "Outros cá dentro"... Em suma, não podemos deixar este trabalho de representação nas mãos quer dos ressentidos, quer dos continuadores do colonialismo por outras vias.

mva | 16:38|