OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


30.5.04  

Estereótipos.

Muita gente acha que os estereótipos são uma espécie de falha moral ou ética e que a tarefa de movimentos e pensadores é destruí-los. Acho que não é bem assim. Haverá sempre estereótipos, pois eles resultam das categorias sociais, algo que é parte intrínseca da organização do social. A questão é, antes, questionar as categorias e impedir os efeitos dos estereótipos. Claro que eu preferiria que as pessoas não tivessem estereótipos ou que piamente acreditassem que eles são errados. Mas não sou muito simpatizante de utopias salvíficas ou da conversão das mentes: o que eu quero é que os estereótipos não tenham consequências negativas, opressivas ou excludentes na minha vida.

Aparentemente a APAV organizou no Rock in Rio um evento em que as pessoas "estereotipadas" respondiam a perguntas dos transeuntes, para ajudar a destruir os estereótipos. Só que, junto com negros e gays, estavam culturistas, seguranças de discotecas e políticos. Ora, isto é confundir perigosamente o mero estereótipo com o estereótipo que resulta de categorias hierárquicas e excludentes. Pouco importa que haja ideias feitas sobre seguranças de discotecas (e, até, atrever-me-ia a dizer, sobre negros e gays). O que importa é que negros e gays não sejam diminuidos na sua cidadania - coisa que só muito remotamente acontecerá a seguranças de discotecas e a políticos. Não confudam estereótipos - um resultado dos modos cognitivos e sociais de ser/viver individual e socialmente - com relações de poder.

A luta da desconstrução social e dos direitos não é um trabalho de "conversão religiosa das mentes", de criação de espíritos puros, de estabelecimento de um regime de "Verdade". É um trabalho de exigência de direitos.

mva | 20:32|