OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


7.2.04  

Zero à esquerda.

"EXISTEN POCOS COLECTIVOS ORGANIZADOS, CUATRO O CINCO, MUY DÉBILES ECONOMICAMENTE, CON POCOS SOCIOS, Y MUY FRAGMENTADOS POR CUESTIONES POLITICO-PARTIDARISTAS. UNO DE ELLOS, LIGADO A MOVIMIENTOS TROSKISTAS Y RADICALES CON BASTANTE REPRESENTACIÓN DE UN PARTIDO POLÍTICO PORTUGUÉS, INTIENTA SIEMPRE IMPONER AL MOVIMIENTO SU AGENDA MARCADAMENTE ANTICAPITALISTA Y, SOBRETODO, EL COLOR DE SU PARTIDO, PERO TIENE MUCHAS DIFICULDADES EN AVANZAR". Esta é uma citação da entrevista concedida por António Serzedelo à revista espanhola Zero, e que ele teve a gentileza de me enviar.

Somos todos livres de expressar as nossas opiniões, e não questiono esse direito. Mas somos também livres de discordar, por um lado, e de distinguir entre opinião e deturpação, por outro. Não há dúvida que as associações lgbt portuguesas são débeis, fragmentadas e pobres. Concordo com a afirmação e creio ser verdadeira. Mas as linhas divisórias não são sobretudo partidárias (qual a cor partidária da rede ex aequo? Da Ilga Portugal? Do Clube Safo? Da Opus Gay? Da ªt? Do Portugal Gay? Dos Angels? Do #GayTeen Portugal? Da Não Te Prives?). As divisões resultam muito mais de incompatibilidades pessoais e de diferentes redes de amizades e sociabilidades (o que, em si, é um sinal da fraqueza do movimento e da reduzida escala e massa crítica do mesmo, e de quase tudo no país). Só num sistema totalitário é que se suspeitaria da independência das associações pelo facto de alguns membros serem (e assumidamente) militantes de certos partidos. E se o Bloco tem militantes no movimento lgbt, também é verdadeiro afirmar que o movimento lgbt tem militantes no Bloco. E que culpa tem o Bloco, ou qualquer um de nós, se as pessoas do PC, do PS, do PSD, do CDS, não participam (pelo menos assumidamente) no movimento lgbt? E vice-versa? E não será isso porque a agenda lgbt é contraditória com certas agendas ideológicas? A não ser que A. S. desejasse que o movimento lgbt fosse uma espécie de Mattachine Society dos anos 50 americanos - homens de fato implorando a "inclusão" na sociedade mainstream.

Quanto à coisa trotskista - numa clara alusão ao Bloco de Esquerda, às Panteras Rosa, e a pessoas que participam nestes grupos, em várias associações lgbt, e no movimento em geral - já é deturpador dizer que existe uma tentativa de imposição de agenda. António Serzedelo parece esquecer uma explicação bem mais simples para o fenómeno que refere: o facto de que quanto mais as pessoas participam em várias esferas do Político (partidos, movimentos, sindicatos, associações...), maior é a articulação de estratégias e tácticas; Maiores as sinergias, como é moda dizer-se; Maior a integração da visão do mundo e da capacidade de transformá-lo. Isto é uma realidade, mas não decorre de uma conspiração (qualquer pessoa de qualquer partido poderia/deveria fazer o mesmo, desde que não esconda as suas filiações).

Mas o mais preocupante é algo que sempre apontei a algumas posições públicas do António, e da Opus Gay em geral: a tristeza por ver pessoas ligadas, e com mérito, ao movimento lgbt, subscreverem as piores e mais baixas formas de populismo anti-partidos, sob a forma do papão do partido controlador.

Eu não partilho a ideia de que existe um mundo do Político corrompido por associações criminosas chamadas partidos, em vias de ser salvo por associações inocentes e puras chamadas movimentos sociais. Acho que ambas são impuras, graças a d***, e ambas são necessárias - e não têm que navegar sozinhas. Tão-pouco têm que navegar atreladas - simplesmente a ligação deve fazer-se através da negociação, e parte dessa negociação é a participação de algumas pessoas (as que desejam fazê-lo, é claro) em ambas as formas de fazer... política.

O meu ideal de um movimento lgbt em Portugal é um ideal de diversidade e múltiplas funções: grupos de ajuda, grupos em partidos, grupos apartidários, grupos de acção directa, grupos culturais, grupos académicos, corais, equipas de futebol, condomínios, cooperativas, lojas, you name it. Mas nunca - nunca - conseguiremos esse pluralismo (que significa também a possibilidade de crescimento) se a obsessão com o problema dos partidária, vinda das profundas dos conflitos do PREC (e que, curiosamente, caracteriza muito mais as posições de Serzedelo do que de alguns de nós, bloquistas) assustar todos os jovens e todas as jovens que hesitam em aderir ao movimento, em fazerem os seus coming outs, em aparecerem na marcha ou no Pride.

PS: Já agora, só um esclarecimentozito: sou do Bloco de Esquerda mas não sou trotskista. Nem sequer compro por atacado o pacote socialista-marxista-anticapitalista. Se precisasse de definir-me, diria que sou algo como um social-democrata radical...

mva | 22:28|