Um tribunal de Navarra (Estado Español) reconheceu a custódia de duas crianças a um casal de lésbicas. O Público noticiou. De seguida o jornal entrevista um psicólogo chamado Luís Villas-Boas (fixem o nome) que declara ser uma "infelicidade" ser educado por homossexuais. Celeste Cardona e Bagão Félix empossaram este senhor do Refúgio Aboím Ascensão como presidente da Comissão de Acompanhamento da Aplicação da Lei da Adopção em Novembro de 2003.
Ele diz-nos agora que a adopção por casais do mesmo sexo praticada na Holanda é uma perversão. Ainda ontem na SIC, num debate sobre aborto, um anti-escolha também dizia que não devíamos seguir o que se faz em países como a Suécia. Se não fosse triste, acharia graça à forma como estes tramontanos nacionais tratam esses países como se fossem uns paísecos atrasados, onde se vive mal e sem direitos. Este espírito salazarengo domina de novo o país. É o que permite o imenso à-vontade em dizer que ser lésbica "não é ser mulher na plenitude natural do termo". O espírito salazarengo pretende o isolamento do país, a imposição a toda a gente de opções de fundo religioso mascaradas de "normalidade", "natureza" (e, qualquer dia, de "bons costumes").
Fazem isto usando o falso argumento do supremo interesse das crianças; repito, falso, porque só é usado para excluir casais do mesmo sexo; porque quem quer mesmo adoptar fá-lo com certeza pensando no interesse das crianças (não deveria ser a verificação dessa motivação para adoptar a principal tarefa dos serviços de adopção, seja face a casais-candidatos do mesmo ou de diferentes sexos?); e porque a exclusão de casais do mesmo sexo não é feita na base da preocupação com as crianças mas sim na base de uma homofobia que encontra nas crianças o argumento demagógico para se legitimar.
Há muito tempo que acho que é no tópico da adopção que se joga o divisor de águas entre homofobia e não-homofobia. O liberalismo sexual que fala em tolerância, no direito à vida privada e outras simpatias que tais, pára sempre quando se chega à adopção. No momento mesmo em que o "tolerante" estabelece a ressalva relativa à adopção está - mas não tem disso consciência, admito - a destruir toda a "tolerância" anterior. Porque está a dizer que há algo de errado e perigoso na figura d@ homossexual e na sua capacidade parental.
Eu, que me considero uma pessoa bem formada - graças aos meus pais heterossexuais - considero mal formadas pessoas como Luís Villas-Boas: mal formadas como cidadãos, mal formadas como psicólogos. Nada, mas mesmo nada, do que ele diz naquela notícia, tem carácter de conhecimento consensual ou adquirido, verificado ou testado, no universo da disciplina que estuda e da actividade que exerce. Mas mais grave ainda é dar o salto da consideração "científica" para a intervenção cívica quando isso afecta directamente os direitos, liberdades e garantias de muita gente. Ele fêlo como político, é certo. Mas fê-lo também como psicólogo. Impõe-se, então, a pergunta: que têm a dizer sobre isto as associações profissionais de psicólogos? Vão ficar caladas? É que em muitos países desenvolvidos, preocupados com a equidade, a igualdade, o bem-estar e os direitos humanos, o que este senhor diz seria passível de uma acusação de discriminação, promoção de preconceitos, incitamento indirecto ao ódio e quebra de deontologia profissional. Para além , é claro, de patetice.
PS: À Holanda e à Suécia podem acrescentar-se os seguintes países e estados: Dinamarca, Islândia, Reino Unido, Canadá, África do Sul, California, Minnesota, New York, New Jersey, Connecticut, Pennsylvania; em breve, a Noruega. Tudo, como se sabe, países de talibãs, burkas e Casas Pias...