OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


15.2.04  

O modelo português.

Os convertidos neo-liberais entusiasmaram-se com o "Compromisso Portugal". Este encontro de "jovens" homens empresários e economistas de 40 anos, supostamente apresentou duas grandes novidades. A primeira: não pedem nada ao Estado e elogiam a concorrência. A segunda: são a favor do fim do sigilo bancário. Quanto à segunda, há anos que ela é proposta, por exemplo, pelo BE. Quanto à primeira, seria interessante como atitude nova, mas o problema é que também não querem que o Estado intervenha no quer que seja - nomeadamente, não lhes interessa o Estado Providência.

Ora, outro dia, ao ouvir o Manuel Castells na Gulbenkian, gostei especialmente da sua apresentação do "caso finlandês": face ao desclabro provocado pelo fim da URSS, de que a economia finlandesa dependia imenso, foi tomada a decisão de transformar o país na primeira "sociedade da informação". Hoje a Finlândia é não só o país que mais cresceu economicamente, como aquele onde as pessoas e empresas estão mais conectadas. Mas Castells diz que tal só foi possível porque, desde o início dos anos noventa, a Finlândia investiu loucamente na formação e nas universidades e - espantem-se os Comprometidos com Portugal - porque o Estado Providência criou as condições para que o salto económico se desse. É que na Finlândia as pessoas não têm que se preocupar com a Saúde; o trabalho é imensamente flexível mas as pessoas são apoiadas nos períodos de transição e desemprego; e a taxa de sindicalização está perto dos 90% revelando que as decisões económicas e sociais são tomadas em verdadeira concertação. Entretanto, esta nova economia, de base social, partiu à descoberta do maior mercado em potência, a China, onde neste momento existem mais de 300 empresas finlandesas (mais do que americanas, por exemplo).

Mas os nossos "jovens" têm um desejo provinciano de instalar os EUA em Portugal por decreto. É um pouco assim como querer instalar a democracia no Iraque. Pelo caminho, o Estado Providência, que nunca foi verdadeiramente implementado entre nós, aparece como bode expiatório. A atenção aos modelos europeus, sobretudo os social-democratas do Norte, nem lhes ocorre. Estes "jovens", convém dizê-lo, não apresentam NADA de novo. Querem ainda mais liberdade de despedimentos; querem, apenas, um "assistencialismo" que não está longe das cautelas de Bagão Félix inspiradas na "Doutrina Social da Igreja" (meu deus, mas o que é isto? - a caridade?).

Entretanto, a Espanha, mesmo com um governo de direita, tem vindo a ensaiar aproximações a diferentes modelos - parte estadunidense, é certo, mas parte social-democrata, por exemplo com níveis de concertação bem mais reais do que os portugueses. Os resultados estão à vista. Quando o velho capitalista-que-enriqueceu-graças-ao-proteccionismo-do-Estado-Novo J. M. Mello propôs a adesão de Portugal à Espanha, infelizmente estava apenas a fazer ironia (coisa que os outros empresários - mas também os jornalistas - não perceberam, pois a iliteracia é across the board).

A aliança entre empresários da velha guarda proteccionista; "jovens" turcos que na universidade só aprenderam neo-liberalismo estadunidense; Igreja Católica com bancos, associações secretas e Doutrina "Social"; e convertidos do trauma esquerdista como Durão Barroso se unem, o país deveria tremer. Mas que digo eu? O país já treme.

mva | 16:02|