OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


12.2.04  

Na Baixa.


Hoje resolvi oferecer-me um par de horas e passeei, sem objectivo, pela Baixa. Dá-me prazer reencontar uma parte da cidade que não me revolta. Acho que uma das razões para isso tem a ver com preferências pessoais: gosto mais de espaços que revelam planeamento e trabalho mental. E gosto menos dos que revelam o caos, a especulação, as soluções atamancadas. Estes últimos agradam a muitos intelectuais, que vêem neles algo de "orgânico", como uma selva que vai crescendo; vêem neles até algo de "democrático"...

Nestas coisas voto mais no moderno do que no pós-moderno. Às vezes quase que concordo com quem diz que o "pós-moderno" é a parte cultural do capitalismo ultraliberal. É claro que sabemos que a modernidade e o humanismo, além de belas cidades, fizeram Auschwitz e o Gulag - no mesmo desejo de levar a racionalidade ao limite. Mas não é por isso que devemos deitar fora essa herança. Aliás, já aprendemos onde nos pode, infelizmente, levar. Não é essa aprendizagem uma vantagem? Que nos permita reinventar um outro humanismo?

Mas a Baixa é um guetozinho, uma nesga de cidade. E a partir das sete da tarde, um deserto. E uma amostra do estado da cidade. No metro de volta a casa, só eu e mais três pessoas saímos para a rua, isto é, para uma zona que (ainda) é "cidade". As outras 234 fizeram o transbordo do metro para comboios suburbanos. Sabendo o que é a paisagem "urbana" ao longo da Linha de Sintra, não é demais dizer que a estas pessoas foi negada a modernidade e o humanismo: saltaram directas para a pós-modernidade caótica - uma espécie de máquina do tempo que as coloca mais perto da pré-modernidade, só que com materiais de construção diferentes.

mva | 18:42|