OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


4.2.04  

Mama Jackson.


O caso Janet Jackson dá pano para mamas. Mas a coisa pode resumir-se assim: a indústria da música pop é uma... indústria. Uma das matérias primas que usa é o sexo. E o sexo tem valor como mercadoria, porque os consumidores foram endoutrinados num regime puritano. Assim, estimulação do sexo e repressão do sexo vão juntos como um par de mamas, criando uma tensão nervosa. A indústria pop - seja de música ou imagens - vive dessa e para essa tensão/tesão, ora oferecendo estimulantes, ora ansiolíticos.

No intervalo da transmissão do Superbowl - a grande celebração da outra alienação de massas, o futebol - acontece ver-se uma das mamas de Jackson. Não importa nada se foi planeado ou não. O que importa é o escândalo puritano que causou. E o escândalo económico. A mama de Jackson não é a mama de Jackson, mas uma espécie de (pequeno ou grande, não sei) símbolo do que faz mexer o futebol, as TVs, a publicidade, a indústria pop, as igrejas e a política americanas: a relação entre sexo e dinheiro.

Jackson, como qualquer moça da indústria, faz canções e coreografias para explorar a dita tensão/tesão. Mas quando "acontece" mostrar a mama, desfaz-se em desculpas: "Desculpem se vos ofendi". Isto é, "desculpem se o meu corpo vos ofendeu". Pode descer-se mais baixo no denegrimento do sexo e ir mais longe no elogio da hipocrisia? Creio que não. Porque a única actividade humana em que a relação entre sexo e dinheiro é límpida, honesta e transparente é a prostituição. E as prostitutas e os prostitutos não estão no prime time do intervalo da superbowl das grandes cadeias de TV que apoiam os grandes partidos americanos que mandam os grandes homens puritanos para o Centro de Comando Militar que dá pelo nome de Casa Branca.

Algures na América, o mano de Janet, que também dança e canta para estimular as partes que não devem ser mostradas, na vida íntima é o pedófilo ex plus ultra - aquele que não só aparentemente gosta de putos, como gosta de ser puto - partilhando a fantasia esquizóide de que as crianças não têm nem sexo nem sexualidade.

No Novo Mundo em geral aconteceu um curioso fenómeno. Ao mesmo tempo que, no tempo das descobertas e das colonizações aquelas paragens foram vistas como lugares de libertação e libertinagem, livres dos trapos da civilização e boas para sexo, as agendas de repressão (puritanas a Norte, católicas a Sul) ganharam raízes e desenvolveram-se num caminho diferente da Europa. É que também no meu querido Brasil existe um puritanismo não assumido: é a síndrome do fio dental que sugere mas não revela, versus a relativa banalidade do nudismo nas praias do lado de cá (e raro nas do lado de lá). Jackson também tinha o seu "fio dental": uma daquelas tampinhas para os mamilos, já que é proibido estes serem vistos na TV americana (sim, é verdade, caros europeus e caras europeias - e podem rir-se à vontade que o tio George não ouve (ele nunca ouve)).

mva | 20:53|