OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


25.2.04  

Going Dutch.

O PortugalGay continua a fazer um excelente trabalho de informação sobre questões de interesse social, cultural e político para @s LGBTs. Desta feita, publica a tomada de posição do Provedor da Justiça relativa a um pedido de reconhecimento, por parte de um português residente na Holanda, do seu casamento com outro homem naquele país. A resposta do PJ é longa, substanciada e denota trabalho e preocupação. O problema é que a lei portuguesa obriga-o sistematicamente a dizer que não é possível o reconhecimento do casamento. Várias coisas se notam nesta resposta: a primeira, e mais óbiva, é a situação nacional face a este assunto; a segunda, é que há portugueses a casarem-se no estrangeiro com pares do mesmo sexo; a terceira é que a União Europeia ainda é, em larga medida, uma fantasia; e a quarta é que a produção dos juristas portugueses sobre o assunto não pode ser apelidada de progressista (é pena que o PJ não tenha consultado especialistas de direito da família com ideias bem diferentes...)

Para quem achar que este é mais um exemplo da (minha) obsessão com as coisas lgbt, gostaria de dizer o seguinte. Há certos assuntos, normalmente de ordem legislativa relacionada com os direitos, que constituem autênticas "charneiras sociais", i.e., dilemas ou debates cujo desfecho pode ser decisivo para uma sociedade ir num sentido ou noutro. O casamento entre pessoas do mesmo sexo e a possibilidade de adopção por casais do mesmo sexo são um deles. Mas outros há, noutros campos (e penso em Portugal, sobretudo): o direito de voto para imigrantes ou de obtenção imediata de nacionalidade para os seus filhos; a obrigação de paridade de género e a descriminalização do aborto; e tantos outros no domínio dos direitos do trabalho, sociais e de implementação do estado providência.

Mas o que é especialmente fulcral nos direitos lgbt é que mexem directamente na teia mais apertada das mentalidades: porque mexem com o sexo, o género, os afectos, o corpo, a reprodução, a família. Não é por acaso que Bush apoia a proposta de uma emenda na constituição dos EUA para proibir a possibilidade de casamentos gay e lésbicos: o "assunto" está a tornar-se central na política contemporânea.

É também por isto que fico atónito com o silêncio dos partidos de esquerda - incluíndo o meu, que tão prontamente pediu a demissão de Mariana Cascais - perante Luís Villas-Boas. A nossa esquerda parece querer perceber, só que ainda não percebeu mesmo.

mva | 18:35|