OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


3.11.03  

Ai, ai, ai...

Um pequeno desaguisado: o Bloco tem um projecto de lei sobre reprodução medicamente assistida. Várias lésbicas e gays queixam-se que o projecto é focado nos heterossexuais. O Bloco acha que não têm razão e que inclusive o projecto tem cláusulas que são portas abertas a seu favor. Alguma reacção mais radical e apaixonada da nossa (lgbt...) parte. Mas alguma reacção irritada da parte do Bloco. Em subtexto surgem "acusações" de "infantilismo" no movimento gay (por favor, notem: as palavras têm aspas....). Já antes, nos meios do Fórum Social Português, surgia, a propósito dos conflitos entre a Opus Gay e todas as outras associações lgbt, o subtexto de que o movimento gay estaria a dar a imagem de ser infantil, de reagir à flor da pele, etc...

Há que ter algum cuidado: se há coisa que une a diminuição cívica, social, humana, de gays e lésbicas, negros e colonizados, mulheres e crianças, é a ideia de que têm qualquer coisa de "infantil", "precipitado", em suma, "irracional". Para lá da homofobia flagrante, há uma subtil, e ainda uma outra, que é a das estruturas inconscientes da nossa forma de categorizar e pensar o mundo e a sua diversidade, esquecendo uma perspectiva de poder.

Mas há pior (ou mais chato): é que, em virtude de circunstâncias de marginalidade e impotência perante a homofobia, os movimentos lgbt podem mesmo ser - sobretudo em contextos como o nosso - um pouco imediatistas e, portanto, "infantis". Fomos de tal maneira "educados" para sermos hetero que, quando assumimos a nossa homossexualidade e a politizamos, já vamos armadilhados, interiorizando como comportamento alguns dos traços denigridores que nos atribui a homofobia. É assim que se reproduz a opressão: através de self-fulfilling prophecies.

mva | 19:23|