OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


22.9.03  

Fumar mata, ou o triunfo da magia

Pronto, já está. Os maços de tabaco em Portugal já ostentam, a letras gordas e em estilo obituário, o aviso "Fumar mata". Proponho que todos os fumadores passem a usar cigarreiras ou aqueles estojos onde se coloca o maço. Não podemos permitir que esta campanha terrorista surta efeito. Para mais, é uma campanha mentirosa, pois dizer, assim, que "Fumar mata" é uma mentira do ponto de vista científico. Só deveremos aceitar estes avisos quando também colocarem nos carros que respirar escapes mata, ou avisarem, nos restaurantes, que até a carne grelhada é cancerígena.

Aliás, esta coisa do tabaco tem muito que se lhe diga. A maior parte das pessoas adere e aceita este tipo de campanha. Ela ajuda a criar o ambiente de pensamento mágico e irracional em que vivemos cada vez mais. Senão, vejamos: o pensamento mágico precisa de acções ritualísticas que supostamente têm um efeito esperado. Assim, deixar de fumar seria equivalente a evitar um cancro (o que é uma mentira, apenas diminui as probabilidades); o pensamento mágico precisa de relaçãos causa-efeito simplistas, com um só agente; o cigarro está a ser transformado nesse agente. E o pensamento mágico precisa de moralizar sobre comportamentos específicos das pessoas, condenando-se, neste caso, o fumar como uma imoralidade suja. Por fim, o pensamento mágico propicia a criação de bodes expiatórios: daqui a pouco o fumador é, ele mesmo, o agente causador do mal. Isto já aconteceu nos EUA e não seria mau, neste caso, um pouco de anti-americanismo entre nós...

Tudo isto é feito e publicitado e reproduzido com a alegria e a energia própria dos patetas ignorantes. É assim, por exemplo, que a TV dá tempo de antena às barbaridades místicas de uma Alexandra Solnado, que pretende que as pessoas se podem curar de doenças ascendendo ao Céu (what?!), recebendo energias e outras tontices que são transmitidas como factualidades e não como (o que mesmo assim seria inaceitável) metáforas. São transmitidas como técnicas, não como crenças.

A classe médica, entretanto, resiste a formas de medicina alternativa que têm a mesma base da medicina oficial, como a homeopatia. Deveria concentrar as suas energias em combater a irracionalidade que por aí anda. Só que não pode: porque teria que renegar todo o apoio que tem dado ao pensamento mágico do anti-tabagismo.

mva | 15:22|