OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


6.8.03  

Ratzinger, o Inquisidor-Mor
Em Nova Iorque abriu um liceu público para jovens lgbt. Nota negativa para o "meu" lado: por muita perseguição que possa haver aos jovens lgbt (e ausência da sua experiência nos curricula), uma escola segregada é uma escola segregada. Para mais, sendo pública. A obrigação do estado é promover o gosto pela diversidade e o respeito pelos direitos, nos locais - como as escolas públicas - que são pertença da comunidade. Mas - e isto tem a ver com a teoria das prioridades na escolha de inimigos - a nota negativa a sério deve ir para o Inquisidor-Mor da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR), Cardeal Ratzinger. A recente divulgação de posições contra uniões de facto entre pessoas do mesmo sexo é um texto jesuiticamente absurdo. A suposta preocupação com a sociedade e a família, argumentada numa retórica que pretende ser racional, baseia-se, afinal, em irracionalidades como "direito natural" e "criação divina". Não quero falar nem de liberdade religiosa nem de fé. Aceito a primeira e percebo a segunda, enquanto antropólogo. Mas como cidadão, acho que é altura de tornar a dizer "basta" a estes absurdos (como o tentaram fazer iluministas, jacobinos, republicanos e marxistas). Não através da proibição e da perseguição, mas através da distinção clara entre o que é a coisa pública e o que são as igrejas. Não se pode, simplesmente, dialogar a sério com quem apresenta os seus argumentos sobre bases incompatíveis com aquelas com que a coisa pública se organiza. Acho que as coisas boas da religião (na opinião dos crentes), como a ética, certos valores, etc., existem também no universo da ética laica. Não acresentam nada que este não tenha. Mas que dizer das coisas que considero más - como a irracionalidade, a explicação divina de coisas que se explicam social e historicamente, ou o dogmatismo? São inadmissíveis, porque retiram liberdade às pessoas, tolhem a sua inteligência e reprimem o exercício de direitos - exercício esse que não poria em causa de modo algum os direitos de outros. É claro que há uma diferença entre a hierarquia da ICAR e o "povo" da igreja; e conheço gente que admiro que se diz católica mas se afasta de posições como as de Ratzinger. Só que acho que isto é como no caso do Partido Comunista: tirem as devidas ilações dessa contradição... Quando Ratzinger diz o que diz sobre homossexualidade, ele não está a manifestar uma posição de fé, neutra e equivalente a tantas outras opiniões. Está, isso sim, a promover a exclusão (com alguns truques retóricos sobre a "tolerância" face aos homossexuais) e isso é inadmissível numa sociedade baseada nos direitos humanos - e não em qualquer absurdo, irracional e obscurantista "direito natural".

mva | 22:07|