OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


9.8.03  

Ratzinger final (?)
Bom, esclareça-se uma coisa: não se trata nem de proibir, nem de recusar a possibilidade de pensar. Trata-se de definir prioridades e escalas de valores: nenhuma igreja, filosofia, escola de pensamento, etc, pode ser ouvida "com consequências" (isto é, aplicando as suas ideias às leis ou à constituição) se essas ideias puserem em causa os direitos e liberdades constitucionalmente definidos. Nestas coisas, não se trata de puro e simples pluralismo de opiniões. Os direitos dos e das homossexuais nada têm a ver com "diversidade de opiniões". A limitação de uma liberdade que não incomoda ninguém não pode ser aceite na base da liberdade de opinião, sobretudo quando o emissor da opinião tem uma influência desproporcional sobre a sociedade (é o caso da ICAR). A liberdade religiosa tãopouco colhe neste caso: as palavras de Ratzinger podem ser entendidas como incitamento à homofobia. Toda a gente perceberia isto se ele estivesse a falar de "pretos", e de como uma sociedade onde os "pretos" e os "brancos" pudessem casar-se seria má porque as crianças sofreriam um estigma, ou de como, em última instância, não seria bom para o equilíbrio social que Portugal tivesse muitos " pretos" (ou, no limite, que as "raças" são uma criação divina, destinadas a permanecerem separadas).
Quando chega à homossexualidade, demasiada gente acha que se trata de uma questão de "opção" moral, de auto-controlo do comportamento e, portanto, algo cuja existência, visibilidade e exercício pode ser controlado pela "opinião pública" em nome de uma qualquer normalidade ou naturalidade, na realidade histórica e socialmente construídas. Curiosamente, é justamente a ICAR quem mais promove aquela ideia, sobretudo com o argumento cínico da "tolerância" dos homossexuais, como quem "tolera" a prostituta. Nenhum homossexual faz - pelo facto de ser homossexual - o que quer que seja que ponha minimamente em causa a liberdade dos outros. O que Ratzinger diz - e com a influência que tem - é um programa de limitação das liberdades (e as semelhanças entre o dogma da ICAR e o estalinismo são bem maiores do que entre a minha "vigilância" da ICAR e o referido desvio comunista...) em nome de algo que já deu provas de não funcionar bem para o bem de um maior número de pessoas. É por isso que acho - e isto não tem nada a ver com qualquer obrigação científica de pensar bem e com justeza - que a hierarquia da ICAR é perigosa, perniciosa e deve ser politicamente combatida sem piedade.

mva | 15:57|