Helena Matos strikes again, no Público de hoje. Ainda não percebi muito bem de que maneira específica os seus textos me perturbam (no sentido irritativo, não no sentido estimulante). Mas tenho uma hipótese. HM seria um exemplo entre outros de um curioso efeito geracional português. Trata-se, em primeiro lugar, de pessoas desiludidas com a retórica e fechamento teórico da esquerda tradicional, tal como foi hegemónica em Portugal a partir de 1974. Até aqui, tudo bem, pois todos sentimos isso e com boas razões. Só que, e este é o segundo aspecto, o seu cansaço com as grandes teorias de esquerda transformou-se em cansaço com qualquer visão sociológica do mundo - ou com qualquer teoria, transformando assim a opinião numa amálgama caótica e aleatória de bocas. Passo a explicar: deixaram de achar que uma grande parte dos comportamentos sociais, políticos, estéticos, etc, têm a ver com o enquadramento das pessoas em instituições, relações sociais e hegemonias culturais. Mais: deixaram de achar que a própria noção de "pessoa" é um bocado forçada, pois o que temos são feixes de relações que se corporificam em pessoas. É claro que nas ciências sociais contemporâneas se recuperou o papel dos agentes, e se aceita como plausível que estruturas e agentes se constituem mutuamente. Na política de esquerda isto também teve efeitos, sobretudo na incorporação de novas agendas relacionadas com as identidades. Mas as HMs não quiseram acompanhar as mudanças no pensamento crítico. Resolveram simplesmente abandonar o pensamento e deitar fora o bebé com a água do banho. O que é que lhes sobrou? Pois, bem, o individualismo. Fingindo uma espécie de no nonsense, apenas reproduzem o senso comum da nossa cultura. Lêem o mundo como um agregado de indivíduos capazes de tomar decisões autónomas, responsáveis pelos seus sucessos e fracassos (é fácil gozar com alguma "desculpabilização sociológica" que se faz por aí, mas o que importa é matizá-la, não desqualificá-la completamente). É por isso que ela nem sequer percebe a importância de associações e movimentos sociais e políticos. Provavelmente só acredita em Pirilampos Mágicos e colectas contra o cancro. Apenas compreende e aceita que, na sequência de acontecimentos excepcionais nas biografias pessoais, as pessoas se dediquem abnegadamente a causas que têm a ver com o infortúnio que lhes aconteceu. O grau zero vírgula um da consciência social é assim apresentado como sendo o grau máximo. O resultado destas preguiças mentais é um híbrido muito português: ler o mundo a partir de um modelo individualista muito em consonância com o liberalismo, mas aparentando ter valores progressistas, porque, de facto, as HMs não são conversos da direita e do catolicismo (também os há, mas esses a gente já nem lê). São pessoas que vivem num mundo tranquilo, com amigos homossexuais que se assumem, e que não vêem tudo o resto (os que não podem assumir-se, os que se matam, os que perdem o trabalho, os renegados pelas famílias, os que à partida desistem de ter uma vida normal, etc.). Só assim se explica que HM, no fundo, ache que é culpa dos homossexuais serem perseguidos ou impedidos de viverem à luz do dia; só assim se explica que, para ela, as formas de associativismo em torno de causas relacionadas com as estruturas da sociedade sejam fúteis ou para-totalitárias (aliás, as duas coisas contradizem-se....); só assim se explica que adira a gestos individuais de intervenção baseados em infortúnios individuais.
Triste, triste, é que a indigência intelectual, e a contradição entre compreensão do mundo e valores éticos, só porque mascarada pela capacidade de escrever, opinar e provocar, seja cada vez mais a carta de condução que permite ocupar espaços de influência neste país.