OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


20.8.07  

Ilhéus

«Querer o casamento de homossexuais e tudo isso que o Governo socialista prepara, essas não são causas, são deboche, são degradação, é pôr termo aos valores que, nós, portugueses, a nossa alma nacional, tem desde o berço e que os nossos pais nos ensinaram». É claro que quem diz isto é Alberto João Jardim, o vencedor do prémio "Tipos destes é o preço que temos que pagar pela democracia". Mas é curioso ver como ele está a falar para um público que não existe tanto quanto ele pensa. Os "valores", a "alma nacional" e o "ensino dos pais" não têm a força e a aura dos puritanismos, dos nacionalismos bem interiorizados ou de machismos performativos. O catolicismo é vivido como um festival da eurovisão, excepto talvez para alguns membros da Opus; o nacionalismo é mais parolice saudosista do que acção; e o machismo é temperado por uma espécie de impotência generalizada, chorada ao colo de mães simbólicas. Nem sequer a sociologia do país ajuda: a família normativa não é a forma familiar maioritária. Jardim não assusta. O casamento vai avançar. O único senão é que vai avançar à portuguesa, pois aquela geral molenguice moral da direita, que irritaria qualquer fascista mais pró-activo, tem o seu reverso numa esquerda bechamel: pouco agressiva em relação à igreja tramontana, conivente com o nacionalismo do estado, quase insensível às questões de género e sexualidade. Direita e esquerda partilham o complexo de ilhéu: sempre à roda da ilha, e com medo do mar.

mva | 12:46|